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as coisas que nos cercam

Relato do encontro “Brincar de escola, brincar na escola”, com Bruno Novaes, realizado em 6 de julho de 2020


Por meio de uma chamada de vídeo, o grupo de pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea - do qual faço parte - e outros interessados nos reunimos com o artista e educador Bruno Novaes. O diálogo foi guiado a partir do registro disponível das obras no site do artista. Assim, este texto trará alguns pontos tocados na reunião partindo da produção artística de Bruno e chegando aos relatos e leituras pessoais construídos coletivamente a partir dos trabalhos.


Cada participante da reunião se apresentou e comentou sobre sua relação com a escola, seja como estudante, ex-estudante ou professor. Nessa partilha brotaram memórias dos professores mais marcantes, experiências de tormentos que nos inquietaram na escola e críticas à mesma como instituição, questões que Bruno aborda na sua produção artística. Os integrantes do grupo escolheram antecipadamente uma obra do artista por meio de pesquisa em seu site e acredito que pelo fato que todos vivemos a experiência de ser/estar como aluno no espaço escolar, permitiu a identificação e o olhar sensível ao trabalho dele.


Trabalhos como Mapa de Sala (2014-2015) e Desenho Livre (2020) me conectam inegavelmente com memórias da escola, as intermináveis fileiras individuais justapostas em linhas paralelas, que centravam a educação no professor, impedindo a interação entre alunos entre si ou mesmo destes com os professores. Característica da metodologia tradicional, a qual sofreu inúmeras transformações, mas ,paradoxalmente continua resistindo ao tempo, sendo um dos modelos mais utilizados pelas escolas no Brasil. Posto que se prova ideal para um sistema em que, para ter acesso a universidade é necessário ter boas colocações nos vestibulares, isso se espelha nos cartazes publicitários das escolas retratado no trabalho aprovado_vestibular_mascara.jpg (2018). Mas será que realmente esse tipo de relação onde o professor é o detentor do conhecimento e os alunos assimilam e memorizam o que foi ensinado por meio de provas e trabalhos valendo nota propicia a aprendizagem ou gera conhecimento e desenvolvimento?


Refletindo em uma noção de educação mais ampla, o artista-educador nos comenta que o fazer artístico se deu também junto aos alunos, em uma constante troca com eles, misturando ateliê e sala de aula, o que deu como resultado muitos dos trabalhos expostos.


De encontro a esse olhar afetivo em relação à escola, aparecem também outros reflexos da relação, já que nesse labor no ambiente escolar surgem questões de bullying, sexualidade e gênero. As experiências pessoais de quem viveu nesse ambiente quando criança e que passa a reviver aquilo de novo na posição de professor são perceptíveis em trabalhos como Apostila de Ciências: ensino fundamental (2016) e Cartilha (2017-2019).


Explorar a instalação sonora Corpo Decente (2018), ouvindo os 50 minutos de áudio que coincidem a duração de uma aula, com os depoimentos de professores que foram censurados e/ou discriminados no ambiente escolar, me leva a reflexão da compreensão do papel da escola e a situação dos integrantes do sistema educativo. O artista recopilou os depoimentos de professores próximos e depois fez uma chamada por redes sociais para acolher um público mais diverso. A partir da própria história de discriminação do artista, a qual se encontra evidenciada no trabalho Jogo dos erros (2018), que consiste em duas versões de um informe de desligamento de uma escola particular, se consegue dar voz a outros professores que também passam situações semelhantes.


A produção de Bruno Novaes aborda questões de memória e afeto em maior medida em trabalhos como Diário coletivo de (in)significâncias (2018), uma ação urbana onde Novaes escuta confissões e histórias pessoais de participantes, enquanto vai criando anotações e desenhos que compõem um caderno-diário que depois é exposto; Passagens (2015-2017), garrafas de vidro que contém desenhos, anotações e objetos de viagens, expondo um segredo tornado público onde resta ao observador criar sua própria narrativa a partir dos fragmentos que podem ser vistos; As cartas que não te enviei (2017-2019), cartas para relações platônicas da adolescência que viraram vasos em papel machê e de novo papel em fotografias. Estas obras nos apresentam um novo olhar para as coisas que nos cercam, as histórias das pessoas, as relações que construímos.


Existe certa ambiguidade no trabalho de Bruno, trazendo coisas que poderiam ser privadas e íntimas a um espaço público, tratando com um olhar sensível questões ácidas e difíceis de se falar. Finalmente desejo concluir este texto com a frase que está no rodapé de página do site do artista: Sei que sussurro para quem consegue ouvir.



sobre a autora:

Milena Espinoza Maurtua é estudante de Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) através do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G). Natural de Lima, Peru. Pratica técnicas de ilustração analógicas e digitais. Tem interesse na Arte Contemporânea e Cultura Visual. Atualmente participa do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e Arte Contemporânea (CE/UFES).



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