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atravessamentos e formação

Relato do encontro “Arte e formação nos processos políticos contemporâneos: Desafios da pesquisa em ensino de arte na atualidade”, com Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva, realizado em 4 de maio de 2020


Ouvir uma pessoa falando em diferentes lugares, vê-la proferindo diversas palestras ou ler variados textos de mesma autoria pode causar um efeito estranho, uma cacofonia que nos faz sentir ouvir a mesma história repetida. E confesso que ouvir histórias repetidas é das coisas que menos me agrada no convívio social. Por isso poderia parecer ser um risco esse convite feito para que a professora Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva partilhasse seu processo de formação, investigação e atuação com o grupo de pesquisa que hoje coordeno e integro. Até porque parte desse processo de formação dela como pesquisadora atravessa a minha própria trajetória. Tive a companhia dela como professora, como coordenadora de projeto de extensão, como orientadora do trabalho de conclusão de curso e posteriormente como colega de departamento (quando atuei como professora substituta), todos esses momentos na Universidade do Estado de Santa Catarina.


Mas aqui o convite foi feito com o intuito de partilhar com aqueles que hoje dialogam semanalmente comigo, a respeito de um consolidado e aprofundado processo de formação do qual fiz parte - o que, ao fim e ao cabo acabaria também refletindo questões de gênese do meu pensamento como pesquisadora e que ressoam nas decisões e atividades do grupo que temos hoje. O encontro ocorreu em 4 de maio de 2020, por meio de uma chamada de vídeo realizada no nosso encontro do grupo de pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea. A professora convidada veio partilhar sobre Arte e formação nos processos políticos contemporâneos: Desafios da pesquisa em ensino de arte na atualidade e pudemos conhecer mais sobre sua trajetória como professora e artista, ficando com registros de práticas que também gostaríamos de desenvolver enquanto grupo.


Mas ao contrário do que poderia prever, por já ter ouvido outras partilhas da professora Maria Cristina em diferentes momentos, as histórias não pareceram repetidas ou esgotadas em um recontar. Rever esse percurso foi como compreender como diferentes ações e formações se conectam na atuação como professora e formadora no campo do ensino da arte. Nossa convidada começou falando sobre o percurso de formação do seu grupo de pesquisa Arte e Formação nos processos políticos contemporâneos, que congrega paralelamente o Sopro coletivo, um grupo de professoras e professores que experimentam práticas no campo da arte.


Como Maria Cristina relatou durante nosso encontro, o Sopro coletivo foi criado em 2012 com propostas experimentais que se vinculavam a ações de inclusão. Sempre conectando educação e arte, o grupo buscou com suas primeiras iniciativas desenvolver proposições táteis e sensoriais para diferentes públicos. Inicialmente pensaram em criar formas de acesso para variados potenciais visitantes acessarem espaços expositivos e museus. Mas depois passaram a desdobrar suas práticas em experimentações que se conectavam com a ocupação no espaço urbano, o olhar para a prática docente e o desenvolvimento de resultados plásticos a partir de suas pesquisas. Assim desenvolveram as exposições Sensever - Marque (2013), Recalculando a rota (2016), Porque as palavras não conseguiam esvaziar-me (2016), Objetos políticos/poéticos de memórias docentes (2016), Biografia(s): corpo, pele e coisas do mundo (2017), Rastros de pesquisa (2018) e Feira: arte foto (2019). Também fizeram proposições curatoriais e de promoção da produção artística, como o projeto Dos desvios e do desver: Jovens artistas - arte contemporânea em Santa Catarina (2018).


Hoje, o grupo de professoras e professores que se experimentam como artistas - forma como Maria Cristina se referiu ao coletivo - desenvolve encontros semanais intercalando a discussão de textos que discutem o campo da educação a partir da pedagogia histórico-crítica - perspectiva teórica da professora - com um clube de fotografia. A escolha por essa linguagem ocorre a partir da percepção de que muitos trabalhos versavam em torno das imagens fotográficas e também pela entrada de novos componentes no grupo que poderiam orientar as práticas. Os exercícios da fotografia são realizados no grupo por meio de práticas coletivas que são lançadas nos encontros e/ou saídas fotográficas que desenvolvem em conjunto.


O trabalho mais recente lançado pelo coletivo e grupo de pesquisa foi uma série de dez livros propostos por dez professores e artistas do grupo. Cada livro é autoral e apresenta um conjunto de imagens dentro de uma narrativa individual. São eles Proibido subir ao altar, de Lucila Horn, A linha de ritmo quebrado, de Jaymini Shah, Identidade, de Janine Perine, Por favor, de Thalita Emanuelle, Ova, de Maristela Muller, Sketchers, de Vinícius Ludge, Infraestrutura ruptura, de André Ricardo Soares, [entre]meios, de Cristina Rosa, corpo-paisagem, de Sil Saldanha e Introspecção, de Valéria Metroski. Cada um desses livros foi proposto individualmente, contudo juntos eles compõem uma coleção de 10 volumes. Para além dos livros impressos, as imagens também resultaram em exercícios que se aproximaram da prática docente, já que uma das autoras, Thalita Emanuelle, realizou uma exposição dentro do espaço escolar com parte das imagens, reverberando na sala de aula os trabalhos realizados.


Hoje o coletivo está em processo de desenvolvimento de um novo projeto, retornando à inclusão que foi ponto de partida do grupo, reconfigurando-a dentro do compromisso político com o ensino da arte. Com aprovação no edital de cultura de Santa Catarina, desenvolverão, em parceria com museus do estado, um curso de formação em inclusão para 200 educadores de museus, juntamente com caixas propositoras de materiais inclusivos que vão circular entre as instituições. A setorização territorial do estado em sete regiões permitirá valorizar as práticas artísticas desenvolvidas no contexto, colocando-as em diálogo com as obras já pertencentes aos acervos das instituições. Uma nova relação entre arte, educação e inclusão se constrói com esse projeto, balizando a prática do grupo de pesquisa e do coletivo, também relacionando a Universidade com a comunidade.


Revisitar esse percurso da professora Maria Cristina possibilitou compreender um processo de formação e atuação que se construiu alicerçado no compromisso com a luta política de valorização do ensino da arte, passando também por temas adjacentes, como a inclusão, a experimentação no campo da poética e a coletividade na pesquisa e atuação docente. Para mim, enquanto ex-aluna, orientanda e colega, foi como encontrar ecos da minha própria prática que construo como pesquisadora e professora. Para os demais estudantes e professores do grupo Entre foi identificar possibilidades de construção de uma identidade como educadores e artistas, vendo como o percurso se constrói também na coletividade e na elaboração de projetos em conjunto. Para eles, a história não foi repetida, mas certamente pareceu familiar por verem que muitos dos exercícios são ressignificados por nós enquanto grupo e ressoam em ações que hoje proponho como coordenadora.



sobre a autora:

Julia Rocha é professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Artes Visuais e Educação do Espírito Santo - NAVEES e do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES). Doutora em Educação Artística pela Universidade do Porto, Mestre em Artes e Educação pela Universidade Estadual Paulista e Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Realiza pesquisa sobre o ensino da arte na contemporaneidade, mediação cultural, relações entre museus e escolas, avaliação de propostas educativas no campo das artes visuais e formação de professores.



1 comentário

1 Comment


Maria Cristina Fonseca da Silva
Maria Cristina Fonseca da Silva
Aug 11, 2021

Que lindo! Obrigada por escrever um texto tão sensível.

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