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descronológico beijo

Uma das perspectivas contemporâneas do ensino da arte se propõe a partir do questionamento da linearidade enganosamente evolutiva da cronologia das produções artísticas. No lugar de um trabalho que proponha um caminho linear, que percorre a produção artística narrada pelos livros de história da arte, propõe-se que o planejamento dos professores: transpasse variados contextos, relacionando-os e confrontando-os entre si; atravesse diferentes tempos, evidenciando os encontros e fricções entre produções de outros períodos e investigue múltiplos autores, demarcando como as respostas para perguntas semelhantes podem ser complexas e variadas.


A recriação de uma linha do tempo que não seja unidirecional e evolutiva possibilita um olhar ampliado para a produção de outros tempos, além de evidenciar que as produções artísticas e imagéticas se reconfiguram a partir das leituras produzidas de maneira contextual. Assim, no lugar de uma aprendizagem voltada para a compreensão de datas e de períodos, identificam-se questões pertinentes ao momento e aos sujeitos que o compuseram, possibilitando perceber conexões com o tempo presente e desenvolver analogias anacrônicas que ressignifiquem as imagens. Ao mudar esse ponto de vista de uma aprendizagem voltada para os dados e assumir a leitura das imagens como foco central, entende-se que o ensino da arte é menos um conjunto de dados históricos, publicado nos livros e apresentado em múltiplas fontes digitais, e mais uma leitura individualizada e investigativa dos aspectos que compõem o meio artístico.


Por isso propomos o descronológico, um exercício onde sugerimos a relação entre dois tempos, a partir de conexões e desconexões entre uma obra contemporânea e uma obra de algum outro período da história da arte. Na edição de hoje conectamos Psiquê reanimada por um beijo do Amor, 1793, de Antonio Canova, com Clothespin, 1976, de Claes Oldenburg.


A temática do beijo é muito recorrente na história das produções visuais. Nessa relação começamos com a transfiguração do beijo vista nas duas partes de um prendedor de roupa. Claes Oldenburg recorre a elementos do cotidiano e os recria em grandes proporções, expondo suas esculturas em ambientes urbanos. Antonio Canova também representa um beijo na linguagem da escultura, mas a partir da mitologia da Psiquê, que é reanimada por Eros - o deus do amor.


O diálogo da escultura de Oldenburg com a temática pode não ser tão explícito, mas o próprio artista relacionou a obra com "O beijo", de Brancusi (outro exemplo que poderia estar aqui nessa relação). Portanto, vemos que as duas partes do prendedor de roupa são entrelaçadas pelo gancho que as prende. Na obra de Canova, o que liga Psiquê a Eros é um abraço, que a faz acordar. Esses dois elementos são narrativos, mas também materiais, porque possibilitam as peças de se estruturarem.


Ainda que retratem temas semelhantes, podemos pensar na desconexão entre as duas obras pelas proporções, visto que a peça de Canova é menor do que um tamanho real de uma figura humana, com 1,55m, enquanto a de Oldenburg tem mais de 14 metros de altura. A relação com o espaço de exposição também é diferente, porque um dos beijos está no ambiente de passagem da cidade, enquanto a outra instalada no Museu do Louvre, abraçada por paredes de mármore.


Falando em mármore, esse é outro aspecto que diferencia as duas peças, porque a escultura de Canova é feita do mesmo material que a circunda, mas os prendedores de roupa de Oldenburg são feitos de aço. A materialidade nesse caso diz respeito não somente às escolhas dos artistas no modo de esculpir, mas também ao espaço no qual se situam as peças, porque há um diálogo entre os materiais dos quais as obras são feitas e os ambientes que as circundam.


Partimos desse ponto, mas e você: que outras conexões e desconexões identifica entre as duas obras?




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