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descronológico roupas

Uma das perspectivas contemporâneas do ensino da arte se propõe a partir do questionamento da linearidade enganosamente evolutiva da cronologia das produções artísticas. No lugar de um trabalho que proponha um caminho linear, que percorre a produção artística narrada pelos livros de história da arte, propõe-se que o planejamento dos professores: transpasse variados contextos, relacionando-os e confrontando-os entre si; atravesse diferentes tempos, evidenciando os encontros e fricções entre produções de outros períodos e investigue múltiplos autores, demarcando como as respostas para perguntas semelhantes podem ser complexas e variadas.


A recriação de uma linha do tempo que não seja unidirecional e evolutiva possibilita um olhar ampliado para a produção de outros tempos, além de evidenciar que as produções artísticas e imagéticas se reconfiguram a partir das leituras produzidas de maneira contextual. Assim, no lugar de uma aprendizagem voltada para a compreensão de datas e de períodos, identificam-se questões pertinentes ao momento e aos sujeitos que o compuseram, possibilitando perceber conexões com o tempo presente e desenvolver analogias anacrônicas que ressignifiquem as imagens. Ao mudar esse ponto de vista de uma aprendizagem voltada para os dados e assumir a leitura das imagens como foco central, entende-se que o ensino da arte é menos um conjunto de dados históricos, publicado nos livros e apresentado em múltiplas fontes digitais, e mais uma leitura individualizada e investigativa dos aspectos que compõem o meio artístico.


Por isso propomos o descronológico, um exercício onde sugerimos a relação entre dois tempos, a partir de conexões e desconexões entre uma obra contemporânea e uma obra de algum outro período da história da arte. Na edição de hoje conectamos uma Vestimenta cerimonial, do povo Chimú, feita entre 1100-1470 d.C., com Como uma garota como você se torna uma garota como você?, de 1995, do artista Yinka Shonibare.


Como conexões analisamos que vestuários e produtos têxteis estão presentes por toda a linearidade da história da arte, mas para pensar sua presença na arte contemporânea partimos das roupas da obra Como uma garota como você se torna uma garota como você?, de Yinka Shonibare, criadas nos moldes dos trajes de estilo ocidental do século XIX, porém com tecidos tipicamente africanos. A relação foi feita com uma vestimenta cerimonial dos Chimús, povo pré-colombino da costa norte do Peru.


O traje cerimonial Chimú é atribuído a uma autoridade dos dignitários e sacerdotes, responsáveis pela previsão dos ciclos agrícolas afim de interceder pela abundância com as forças da natureza, uma vez que esse povo dependia precariamente das chuvas andinas por viver em grandes concentrações urbanas localizadas em um dos desertos mais áridos do planeta. Por sua vez, a obra de Shonibare se apropria da modelagem da aristocracia, dando agora novas expressões pelo tecido incorporado


Como uma primeira desconexão entre as peças está na funcionalidade: uma pensada como traje cerimonial que demarcava uma hierarquia do estrato social Chimú, outra criada como obra contemporânea diretamente associada aos museus, sem ser efetivamente utilizada como roupa. Também podemos pensar como diferença a autoria, processo que continuamente foi obliterado das peças têxteis da história da arte e é agora repensada na contemporaneidade.


O processo de produção de peças têxteis também se diferencia nos períodos da história, por vezes entendido como manualidade, por vezes terceirizado em prol do conceito da obra. Outra distinção dos elementos das peças está marcado pela colonialidade, uma vez que a vestimenta cerimonial Chimú é representativa do período pré-colombino, anterior à invasão espanhola. Já as peças de Shonibare representam traços do período colonial pela origem dos tecidos. Embora os tecidos da obra de Shonibare sejam tipicamente africanos e usados ​​como uma expressão de uma identidade unificada idealizada, esses tecidos com estampa de cera são na verdade holandeses e foram feitos em fábricas na Inglaterra, onde o artista, que foi criado na Nigéria, agora vive e trabalha. Fabricado originalmente na Holanda com uma técnica indonésia e exportado para a África, esses tecidos remontam ao comércio colonial.


Partimos desse ponto, mas e você: que outras conexões e desconexões identifica entre as duas obras?




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