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do CRJ à maré - frottage e fotografia

Cotidianamente transitamos por percursos entre nossas casas e outros espaços que frequentamos sem nos dar conta do que há à nossa volta. Apenas ligamos o modo automático e seguimos o trajeto que estamos acostumados e que normalmente é o mais rápido que está disponível para chegar ao destino final. Nas artes visuais, diversas propostas e produções nos provocam a observar com um outros olhar os locais que frequentamos, focando em detalhes, formas, cores e texturas.


A obra 19 passos até o mar (2022), da artista visual e designer Thais Delôgo, apresenta uma videoperformance e 19 papéis com impressões feitas com a técnica da frottage. A performance aconteceu entre a casa da artista em Coqueiral de Itaparica, Vila Velha, até a Praia de Itaparica no caminho que costuma fazer. No trabalho, Thais propõe a ocupação da cidade, passando por locais onde o corpo é atraído ou expulso, onde se sente mais à vontade e confortável ou com medo; questiona também a desigualdade social mostrando como a paisagem muda quando andando nas áreas mais distantes dos bairros até a praia. Na performance, a artista, munida de um riscador e folhas de papel, vai registrando as texturas do chão em 19 paradas até o mar, tentando documentar também o mar.



Clara Pitanga Rocha em seu ensaio textual Deambulante: retratos de uma expedição andante (2021), relata sua experiência ao caminhar pelo bairro em que mora na região do bairro Coqueiral de Aracruz. A pesquisadora, ao desenvolver a caminhada, retoma memórias da infância, encontrando pontos que nunca havia reparado, mesmo passando por ali todos os dias. Clara finaliza seu relato nos trazendo uma reflexão: “por onde você tem andado? Convido-o a deambular pelos seus percursos do dia a dia, mas com um olhar diferente, um olhar consciente, um olhar que busca descobrir novas espacialidades e estabelecer novas relações com as cidades”.


Foi com essas referências em mente que desenvolvi a oficina Do CRJ à maré - Frottage e fotografia durante o Festival Itinerante do Centro de Referência das Juventudes de São Pedro “Do Mirante à Maré”. O festival aconteceu entre os dias 14, 15 e 16 de abril de 2023 e apresentou um pouco das potencialidades das juventudes do território, assim como propagou as artes e as culturas produzidas na região. Exposição de pinturas, instalação, videoarte, grafitti, oficinas de arte e fotografia, batalha de Slam, apresentações de danças, músicas, capoeira e circo foram algumas das linguagens artísticas culturais apresentadas durante o festival, além de torneio de esportes e ação social com corte de cabelo, penteados e sobrancelhas para a comunidade.


A oficina Do CRJ à maré - Frottage e fotografia estava programada para acontecer no Mirante de Fonte Grande, mas por motivos de chuvas fortes da noite anterior ficamos impossibilitados de manter a locação. Pela manhã, já com o tempo aberto, conseguimos fazer o trajeto entre o CRJ e a orla da Ilha das Caieiras. O CRJ São Pedro fica localizado entre um ponto movimentado da rodovia que corta o território e a Ilha da Caieiras que é um importante ponto da cidade que reúne gastronomia, com restaurantes que servem comidas típicas da região e até um museu, o Museu Histórico da Ilhas das Caieiras "Manoel dos Passos Lyrio" ou como popularmente é conhecido, o Museu do Pescador.

Registro da oficina - Fotografia de Meuri Ribeiro @ribeirorm_


Registro do percurso. Fotografia de João Victor - Jovem participante


Há diversas possibilidades de caminhos para sair da orla até o CRJ e vice-versa, muitos dos jovens que frequentam o Centro de Referências das Juventudes residem, estudam e até trabalham nesses bairros e transitam diariamente pelas suas ruas. Então, pensar uma atividade que os provocasse a deslocar o olhar do cotidiano foi muito interessante e desafiador.


Com a ajuda da articuladora local, Grasielly Cardoso, e da Fotógrafa Meuri Ribeiro percorremos as ruas entre o CRJ São Pedro e a orla da Ilhas das caieiras com o objetivo de observar as belezas do bairro fazendo o registro fotográfico e a impressão com a técnica da frottage. O momento de apresentar aos jovens a técnica aconteceu durante a atividade. Indiquei os materiais, possíveis formas de fazer e como poderiam começar a enxergar as belezas da região através do deslocamento do olhar.

Registro da oficina - Fotografia de Meuri Ribeiro @ribeirorm_


Registro da oficina - Fotografia de Meuri Ribeiro @ribeirorm_


Os jovens estavam dedicados do começo ao fim da atividade, engajados em procurar os detalhes e me apresentar o trajeto, pois não conhecia aquele escolhido pelos participantes. Essa prática de encontrar outros percursos remonta aos trabalhos de Thais Delôgo e Clara Pitanga Rocha, de deambular e percorrer caminhos em busca de outros encontros no cotidiano. Assim, tivemos momentos interessantes e marcantes durante o percurso, encontramos uma senhora que estranhou o movimento que estava acontecendo e parou para nos perguntar se éramos turistas que não conheciam o bairro, então uma das jovens participante respondeu que eram moradores que estavam fazendo registros fotográfico do bairro para mostrar as belezas que podiam encontrar e que normalmente não repararam no dia a dia. A senhora então, relatou que o bairro está bonito agora, mas que nem sempre foi assim. Infelizmente, muitas pessoas ainda associam a imagem da região com o antigo lixão que existia ali, mesmo que há muitos anos o bairro já tenha evoluído muito.

Registro da oficina - Fotografia de Meuri Ribeiro @ribeirorm_


Registro da oficina - Fotografia de Meuri Ribeiro @ribeirorm_



As práticas artísticas apresentadas e produzidas durante a oficina serviram como provocação, incentivo e, sobretudo, foram exercícios potentes para a autoestima e o fortalecimento do vínculo com o próprio território onde os jovens convivem. Caminhar pelo bairro, coletar os fragmentos de texturas, conversar com passantes e entre si, registrar fotograficamente e com uso da frottage elementos do percurso os permitiu perceber o caminho de uma forma diferente, assim como a senhora com quem conversamos.

Registro da oficina - Fotografia de Meuri Ribeiro @ribeirorm_


Resultados do processo

(use as setas laterais para ver todos)



Registro da oficina - Fotografia de Meuri Ribeiro @ribeirorm_




sobre o autor:

Henrique Tavares é graduado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo, atua como Educador Social no Centro de Referência das Juventudes e membro do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES). Atuou como Instrutor de oficinas de Artes no CREAS (Centro Especializado de Referência e Assistência Social) entre 2019 e 2023, Foi bolsista CAPES no Programa Residência Pedagógica - Artes Visuais e Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência entre 2017 e 2022, e participou do projeto de Extensão Galeria DADA/DAV. Atualmente pesquisa a educação decolonial e arte contemporânea em cumprimentos de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida.



referências:

ROCHA, Clara Pitanga - deambulante: retratos de uma expedição andante. Disponível em: <https://www.entrepesquisa.com.br/post/deambulante>. Acesso em: 17 jun. 2023.

19 passos até o mar - Videoperformance presente na instalação da artista Thais Delôgo. Disponível em: <https://www.instagram.com/reel/ChNDLGrlejZ/?igshid=MmJiY2I4NDBkZg==>.



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