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“escola é muitas coisas”

Relato do encontro “O que você quer aprender de verdade?”, com Mônica Hoff, realizado em 23 de setembro de 2020


Parafraseando um cartaz resultante da tese de Mônica Hoff, começo o relato do encontro com esse título que resume parte da conversa que tivemos enquanto grupo e com outros convidados por chamada de vídeo - como todo encontro estabelecido durante a pandemia. No cartaz consta em uma das faces a enorme lista de escolas de artistas que Mônica reuniu durante seu processo de pesquisa no doutorado, de outro uma frase extraída de uma revista “arte é muitas coisas”. A sentença chamou atenção da pesquisadora primeiro porque apresenta um erro de concordância gramatical, mas fez sentido para sua pesquisa pela representação da pluralidade de sentidos que a arte ganha em cada uma das escolas que reúne e apresenta em sua tese.


Antes que se vuelva pedagogía: A criação de escolas como prática artística foi o lugar de partida para nosso encontro. Tendo a tese como pano de fundo discutimos questões sobre processo de pesquisa, sobre formação e linhas de atuação, sobre prática artística e sobre educação. Aqui parafraseio a sentença do cartaz e digo que “escola é muitas coisas”, porque como a própria tese nos informa, a partir do francês a escola pode ser entendida como “uma forma de falar, uma maneira de ser, um conselho ou um cabaré”, ou, a partir do inglês como “punir, ensinar por castigo, ou ainda uma ‘companhia de ladrões’ ou um grupo de amigos que se encontram regularmente em um bar para beber, o que hoje talvez chamássemos confraria” (HOFF, 2019, p. 255). Assim sendo, nosso próprio grupo pode ser assumido como escola, porque escola pode ser muitas coisas mesmo.


A pesquisa esteve durante toda a conversa como foco não só pela leitura da tese e reflexão do seu processo de produção, mas porque, segundo Mônica é justamente a pesquisa, a investigação, que situa a intersecção entre arte e educação. Como resultado da reflexão de seu percurso como artista, pesquisadora e curadora educativa, Mônica nos disse que os processos de investigação são aquilo que efetivamente friccionam as relações entre arte e educação no contexto artístico contemporâneo.


Dentre as escolas de artistas que colecionou durante o período de investigação - e até mesmo antes dele, segundo nos relatou -, resultam proposições que tratam da escola como práxis dos artistas, criando metodologias próprias de realização da prática e formação em arte. Com um olhar tentando abarcar experiências que não se limitavam ao eixo norte do mundo, ampliando para referências da América Latina e outros lugares, a coleção de escolas se apresenta para o leitor como um convite para explorar e conhecer cada uma dessas propostas idealizadas, realizadas ou simplesmente planejadas. Essas estão presentes no capítulo 2 ou, como informa no sumário, nas páginas brancas.


A própria estrutura da tese foi alvo da nossa conversa também, uma vez que, construída na linha de Processos artísticos contemporâneos e finalizada como objeto de arte em si, ela expande os limites do que define o resultado de investigação de um doutorado, tencionando normas e técnicas e dimensionando conteúdo e forma noutro sentido. Sem capa e sem capítulos que se compassam numérica e progressivamente, a tese apresenta uma divisão de seções que “explodiram” uma na outra, como a autora definiu. Assim, a listagem de escolas publicada nas páginas brancas se vê compassada pelas páginas azuis de reflexão teórica, delimitada pelas imagens de diferentes ações artístico-educativas realizadas durante o período do doutorado e finalizada pelas páginas verdes e rosas, que apresentam notas e referências.


Foi nas imagens que iniciam e encerram a pesquisa aliás, que finalizamos nosso encontro, com Mônica descrevendo e analisando as experiências de laboratórios, oficinas e formações que propôs em diferentes lugares - Bogotá, Buenos Aires, Madri, Guadalajara, para citar alguns - durante os quatro anos em que desenvolveu a pesquisa. Nesse momento Mônica nos disse que para ela e dentro das práticas que propõe, arte e educação se encontram num lugar de desconforto, de desacomodar, de problema, mas um problema que as pessoas buscam para si. Cada uma das propostas descritas desenvolveu uma, duas, três ou quatro das questões que dividem a tese Antes que se vuelva pedagogía: A criação de escolas como prática artística, são elas: O que você quer aprender de verdade? - questão-título do nosso encontro - Como você imagina aprender o que quer aprender de verdade?, Se você tivesse que ensinar o que quer aprender de verdade, como faria? e Diante disso, quem nos garante, então, que a arte e a educação sejam apenas o que elas (não) são?


As quatro potentes questões estiveram como efetivas perguntas para Mônica durante seu processo de investigação, ressoando no que registrava na sua coleção de escolas, no que produzia como texto para a tese, nas trocas produzidas durante o período ou nas ações educativas em que esteve como proponente. A criação de escolas não esteve apenas no plano da observação e catalogação, mas fez também parte da sua prática artística, quando propôs a Escola Extraordinária, realizada em 2018.


Da abertura de alguns dados publicados na tese fica a sensação de que esse - como um verdadeiro processo de investigação - é um percurso ainda em andamento, interrompido pelo tempo da pesquisa que se findou. Novos dados podem ser incluídos conforme a imersão for ainda maior, novas escolas podem ser incorporadas à listagem enquanto forem sendo descobertas e desenvolvidas e novas narrativas de exercícios de prática artística e educativa também podem ser somados ao volume apresentado na tese. Assim é um processo de pesquisa, porque assim como arte e como escola, “pesquisa é muitas coisas”.



sobre a autora:

Julia Rocha é professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Artes Visuais e Educação do Espírito Santo - NAVEES e do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES). Doutora em Educação Artística pela Universidade do Porto, Mestre em Artes e Educação pela Universidade Estadual Paulista e Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Realiza pesquisa sobre o ensino da arte na contemporaneidade, mediação cultural, relações entre museus e escolas, avaliação de propostas educativas no campo das artes visuais e formação de professores.



referência:

HOFF, Mônica Gonçalves. Antes que se vuelva pedagogía: A criação de escolas como prática artística. 2019. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Florianópolis, 2019.




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