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sobre a escrita e seu processo

Relato do encontro “A escrita como processo na investigação em artes”, com Sofia Barreira, realizado em 15 de junho de 2020


A escrita é um registro por meio de símbolos, ela comunica, compartilha e preenche espaços vazios. Sem ela, a oralidade (provavelmente) não seria capaz de repercutir e manter informações, descobertas e histórias ao longo dos séculos. A escrita é uma maneira de sustentar no presente aquela ideia que foi concebida no passado (ainda que tenha sido há segundos atrás), mesmo que essa se transforme (assim como esse texto que você está lendo agora, mas que eu escrevi bem antes dele chegar até você e pode ser que no futuro eu já tenha uma nova noção sobre a escrita). Pode-se dizer que ao longo da história o surgimento dela está relacionado ao desenho, a chamada escrita pictográfica (representação de objetos e figuras). Hoje em dia, ela pode ocorrer através de ideogramas (quando um símbolo representa algum conceito, como por exemplo os chineses escrevem), e também por grafemas (quando o símbolo representa um som).


Mas seria a escrita uma tentativa de achar algum lugar? Talvez, construir um lugar? Ou quem sabe entender, desentender? Ou como dizia Clarice Lispector “Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada” (Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo, 1999). Diante desses questionamentos, falo agora do encontro virtual do grupo de pesquisa Entre – Educação e arte contemporânea com a portuguesa Sofia Barreira, que aconteceu no dia 15 de junho de 2020 (durante a pandemia e o isolamento social), a respeito do tema “a escrita como processo na investigação em artes” trouxe uma perspectiva de escrita acadêmica, empregada na sua tese de doutorado que nem sempre é abordada e não está amarrada a estruturas já definidas, mas consistiu em descobrir/investigar durante o escrever qual é o seu próprio método e abordagem de escrita.


É um processo. Processo esse afetivo em que Sofia define o trabalho como “autor- referencial e até, em parte, confessional”. O desenvolvimento e jornada da escrita processual contou com a partilha dessa, encontros e diálogos entre pessoas que ajudaram a desconstruir para construir. Esse caminho investigativo culminou em uma não hierarquização de referências (por exemplo, ao incluir citações literárias na sua tese), assim como na aceitação da própria subjetividade e na interferência recorrente no texto dos pensamentos da autora, que compartilhou com o leitor as suas angústias, confessando, às vezes, possuir bloqueio para escrever.


Retomando a noção de escrita processual, Sofia questionou a respeito do conforto e desconforto que sentia ao escrever, adentrando também na falta do hábito de desenhar (mesmo que sua tese se relacione com o desenho). Esse caráter de relação pessoal de confissão entre texto e autora ajuda a construir essa escrita a que me refiro como “processual”. O texto é quase como se fosse (ou talvez seja mesmo) uma conversa pessoal entre quem escreve e o próprio processo, que busca encontrar (ou não) seu caminho.


Quando me refiro a “caminho”, quero dizer que esse é pessoal, falo da escrita em um sentido amplo, já que existem diferentes tipos textuais (dissertação, narração, informação, argumentação...). Cada pessoa tem uma maneira de começar, desenvolver e terminar um texto, por isso, esse “caminho” é individualizado. Por exemplo, antes de dar início a minha escrita eu penso o que eu gostaria de abordar nela. Faço mentalmente o chamado de “brainstorming”, ou seja, “tempestade de ideias”. Ela consiste em anotar ou somente pensar em tópicos, citações e conceitos que eu quero adicionar no texto, desse modo, já tenho uma noção da maneira como vou organizar esses “pensamentos”. Quando eu tenho tempo, ou o texto me exige pesquisar, leio artigos e livros sobre o tema central e os subtópicos, com isso, eu já construo um repertório de referências antes de começar a escrita em si.


Lógico, que enquanto escrevo muitas vezes me surgem dúvidas ou pensamentos que não foram antes estudados, logo, nesse caso eu busco novas referências para essas questões e também procuro colegas que possam me dar alguma orientação ou dica. Nessa questão de procurar pessoas para compartilhar o que escrevo, me identifico com Sofia porque desde a época da escola, principalmente no ensino médio, eu tinha o hábito de mostrar às colegas de sala minhas redações para receber opiniões e sugestões. Essa situação de “dividir” a escrita com as pessoas, na minha visão, pode ser enriquecedora, visto que geralmente os indivíduos têm perspectivas diferentes sobre um assunto e acredito que isso agrega na construção textual ou pelo menos amplia a noção sobre algum tema.


Adotando a escrita como um processo “investigativo”, já que foi o assunto do encontro do grupo, esse não leva necessariamente a um caminho único, essa escrita como processo de investigação tem um rumo que depende do panorama individual que abrange referências e talvez noções próprias. Sendo assim, a maneira de escrever e como você vai encontrar pode variar e partir de pontos de encontro, desencontro e referências diferentes que vão fazer parte do seu processo “investigativo”.



sobre a autora:

Clara Pitanga Rocha é graduanda na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente faz parte do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES), com o objetivo de estudar os caminhos e as relações entre arte contemporânea e educação.



referências:

Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo, 1999



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