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formas generificantes a partir do rosa e do azul

Relato do encontro “A construção visual das masculinidades: Provoque(-se)", com João Paulo Baliscei, realizado em 20 de setembro de 2021


O Grupo de pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea convidou para um encontro aberto, no dia 20 de setembro de 2021, o Professor João Paulo Baliscei – Artista, Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá (2018), professor de Artes Visuais, na UEM, e coordenador do Grupo de Pesquisa em Arte, Educação e Imagens (ARTEI). Baliscei tem uma rica pesquisa no campo da cultura visual, preocupando-se muito com o poder pedagógico e político que as imagens têm sobre as crianças (e até adultos) e como que essas imagens generificam, inclusive em ambientes escolares.


Visando a manifestação potente da cultura visual na contemporaneidade, abriu-se no encontro uma discussão, juntamente com os estudantes presentes, a partir do seu livro “Provoque-se: Cultura Visual, masculinidades e Ensino de Artes Visuais”. Para Baliscei importa não somente as imagens da arte, mas também as imagens da cultura visual (cinema, moda, livros didáticos, etc.) e a forma que essas imagens articulam significados a respeito da masculinidades, caracterizando a definição de “ser homem”.


No seu texto “Botando o machão pra fora”: O projeto de masculinização dos meninos e as Pedagogias Culturais na animação Mulan (1998)”, publicado no e-book “Como pode uma pedagogia viver fora da escola?”, Baliscei alega que nas circunstâncias da sociedade contemporânea, dominada pelo capitalismo, os principais influenciadores pedagógicos são os agentes culturais hegemônicos que selecionam e criam saberes em forma de multimídia associados ao prazer.


Ainda nesse primeiro momento de sua fala foram apresentados alguns de seus trabalhos artísticos. Baliscei revê uma fotografia dele tirada em 1998 em Mandaguaçu, onde pulava carnaval vestido de Jacaré do grupo “É o Tchan!”. Apesar de ser criança, ao retomar ao passado, o artista lembra-se do quão feminina era aquela criança e percebe que deixou muito dessa feminilidade, já que a sociedade foi ensinando esse menino a ser masculino a partir das diretrizes especificas de masculinidade. Sendo assim, revelou a foto 30 vezes, 1 foto por cada ano vivido (30 anos) e as ressignificou a partir de recorte e da técnica do bordado, relembrando em cada uma delas situações vividas em que era orientado a ser masculino de um jeito específico: cumprimentar forte como homem, ser chamado atenção pela voz fina, entre outras.

João Paulo Baliscei - “Quem tornou masculino o corpo infantil do menino? (2019)


Para uma análise mais precisa sobre como, visualmente, meninos e meninas são generificados, vemos uma imagens de um “inocente” de um chá de bebê, com um bolo metade rosa e metade azul. Como discutido anteriormente, sabemos que a imagem de um simples chá de bebê não é tão inocente assim, pois além de adornos visuais, esse tipo de imagem carrega e produz significados que reintegram normatizações de forma sutil, já que são combinadas com o entretenimento, tendo também implicações pedagógicas sobre quem as consome.


Diante desse cenário visual é socialmente entendido que, ao cortar o bolo do chá de bebê e descobrir que ele é rosa por dentro, a criança receberá um nome feminino e usará a cor rosa o quanto antes. Nessa perspectiva, como disse o professor, ela será uma mocinha delicada, cuidadora, matriculada nas aulas balé, entre outros clichês. Ou seja, a decoração rosa não está descrevendo um corpo que já é feminino, mas um corpo de uma menina que está comprometida à feminilidade o quanto antes, para que se encaixe perfeitamente nos padrões da sociedade.


Em consequência disso, Baliscei defende que as imagens são cúmplices do que ele chama de “Projeto de masculinização dos meninos e de feminilização das meninas”. Para ele, meninas não nascem espontaneamente femininas, elas tornam-se femininas a partir do momento em que são ensinadas a ser. Do mesmo modo, os meninos não nascem masculinos, eles tornam-se masculinos ao serem consecutivamente constrangidos ao assumirem gostarem de algo que socialmente é dito como feminino.


Para firmar esse pensamento, João Paulo Baliscei inspira-se nas frases de Simone de Beauvoir - “Não se nasce mulher, torna-se mulher” - e de Elisabeth Badinter - "O homem não nasce homem. Ele se torna homem" - e traz consigo a frase que percorre tanto suas pesquisas teóricas, quanto seus trabalhos artísticos: “Não se nasce azul e rosa, torna-se”.


Partindo dessas reflexões, o professor apresenta a artista coreana JeongMee Yoon com seu trabalho “The Pink & Blue Project (2005)”, na qual a artista traz uma série de fotografia de crianças emersas em produtos rosas e azuis.


JeongMee Yoon - The Blue Project - Seunghuyk and His Blue Things (2007) e The Pink Project - Tess and Her Pink Things (2006)


Inspirada em sua filha, amante da cor rosa, JeongMee Yoon percebe as meninas treinam, consciente e inconscientemente, o uso abundante do rosa para torná-las mais femininas. Já em The Blue Project nota-se uma masculinidade específica, pois as imagens sugerem uma força, inteligência, iniciativa e virilidade que os mesmos artefatos em suas versões rosas não oferecem.


Nessa série levanta-se questões sobre identidade de gênero e sua relação com a globalização do consumo de produtos infantis em massa no século XXI. Levando em consideração essa referência, em seu livro "Não se nasce Azul ou Rosa, torna-se: Cultura Visual, Gênero e Infâncias", Baliscei implica que a variedade e quantidade de produtos infantis vendidos contribuem intrinsecamente para que os feitiços generificantes do azul e do rosa sejam agentes masculinizantes ou feminilizantes de outros artefatos da cultura visual.


Embora esse fenômeno esteja cada vez mais enraizado no século XXI, nem sempre o rosa foi considerado feminino e o azul masculino. Nos séculos XVII e XVIII prevalecia o uso do branco nas roupas de recém nascidos, simbolizando a pureza e inocência delas. Além disso, no século XVII crianças de ambos os gêneros usavam vestidos para facilitar a troca de fraldas, como explica Baliscei e Stein em "Mas, Por que rosa? Aspectos Históricos e artísticos do uso generificado da cor rosa".

Menina ao lado de cadeira alta (1640); Menino de branco (1641); O Berço (1872); e Um beijo para a bebê Anne (1897), pinturas de Govert Flinck, Dirck Santvoort, Berthe Morisot e Mary Cassat, respectivamente


No entanto, em alguns períodos do século XVII, diferentes representações artísticas documentam que meninos usavam rosa e meninas azul. O rosa era um tom mais claro do vermelho, que na época era muito usada por líderes, destacando a sua força e determinação. Já o azul era muito representado nas vestes de Nossa Senhora nas iconografias cristãs, porque Nossa Senhora estava no céu azul e representava pureza e devoção, como as meninas deveriam se portar na época.

Fra Angelico - Recortes das obras: Madonna de Granada (1426); Madonna e criança (1433); Madonna da humildade (1433-5)


Diante dessa construção específica de gêneros e sexualidades a partir do rosa e azul e todo seu questionamento acima disso, Baliscei cria um novo trabalho de videoarte que confunde o espectador, (PIN)Ken Bar(BLUE). Para isso, o artista pega bonecas que, apesar de terem sido de sua irmã mais nova, fizeram parte de suas brincadeiras de infância e tinham grande valor sentimental. A partir da apropriação, pinta o Ken de rosa e a Barbie de azul.

João Paulo Baliscei - (PIN)Ken Bar(BLUE) (2020)


São apresentadas também outras séries de trabalhos artísticos que envolvem questionamentos sobre os esteriótipos de gênero e sexualidade a partir de elementos que envolve o cotidiano das crianças, como “Macho Toys”, de Fábio Carvalho, e Super Soft Heroes, de Linnéa Johansson.


Fábio Carvalho, artista plástico do Rio de Janeiro, frequentemente contesta em seus trabalhos a frágil ideia do senso comum de que força, poesia, vulnerabilidade e masculinidade não podem coexistir no mesmo lugar. Assim, o artista traz uma série de brinquedos diversos endereçados para meninos que enfatizam o estereótipo de masculinidade (heróis, policiais, cowboys) e produz um conflito ao enfeita-lo com flores e delicados pratos de porcelanas, elementos que são considerados do universo feminino.

Fábio Carvalho - Macho Toy S04 (simetria) (2010/11)


Esse senso comum sobre masculinidade também foi questionado por Linnéa Johansson ao observar seu filho Caspian de 3 anos que, segurando as lágrimas, se recusava a chorar já que, de acordo com ele, o Super Homem não chora. Nota-se então que, com apenas 3 anos, as crianças já aprendem e interiorizam que mostrar suas emoções é sinal de fraqueza, logo chorar feriria a sua masculinidade, já que é “coisa de menina”.


A partir do momento que as crianças aprendem que expressar seus sentimentos podem ser algo negativo e os reprimem constantemente, ela cresce tendo bloqueios que poderão trazer dificuldades ao longo de sua vida. Caso contrário, expressar os sentimento podem levar a um melhor desenvolvimento psicológico, social e emocional.


Para ensinar a seu filho que não há problemas ao expressar seus sentimentos, Linnéa Johansson cria um livro infantil para colorir. Seus desenho lineares mostram desde os heróis preferidos das crianças em momentos de fragilidade, até princesas poderosas, mostrando que as meninas também tem novas escolhas de caminhos a seguir. Além disso, Johansson traz ilustrações que demonstram inclusão social.

Linnéa Johansson – Desenhos para colorir da série “Super Soft Heroes”


Todos esses trabalhos que desconstroem esteriótipos que nos são ensinados desde o começo de nossas vidas nos levam a perceber que desde que nascemos há forças pelas quais, pedagogicamente, as imagens operam. Essas forças são chamadas de “pedagogias culturais”, que nos mostra que, muito além do que nos é ensinado na escola, as imagens da cultura visual (cinema, animações, brinquedos, festas etc.), também nos ensinam muito.


Essas imagens estão impregnadas no nosso imaginário coletivo que, sem perceber, carregamos para a vida adulta e caímos em simples armadilhas, como comprar produtos mais caros simplesmente por mudarem a embalagem para rosa ou colocarem a palavra “mulher” na frente, mesmo que o produto seja idêntico ou parecido com o padrão.


Analisando um desses produtos, o fio dental, Baliscei critica questionando: “será que as mulheres têm alguma doença bucal que os homens não têm? Será que o fio dental tem um cheiro que a empresa acredita que seja característico do sorriso feminino? É um fio dental que acompanha algum acessório das mulheres?”. Nota-se que é um simples fio dental, sendo o azul para pessoas e o rosa para mulheres. Da mesma forma podemos ver em outros produtos comercializados.


Todas essas discussões o levaram a trazer mais uma produção de sua série "É para menino ou menina?": Guerra e Paz (Mundial) (2021). Baliscei usa soldadinhos armados, brinquedos recorrentemente endereçados para meninos pela cor, formato, pelo uso de armas, agressividade, coragem, pela apologia à guerra e o ideal de soldado patriota, e assim o artista muda todo o seu significado quando ele os pinta de rosa e os transforma em joias, uma coroa, colar e um brinco, fazendo apologia aos concursos de miss, onde muitas meninas fazem discurso sobre paz. Logo, há um jogo de palavra “Guerra e Paz (Mundial)”.

João Paulo Baliscei - Guerra e Paz (Mundial) (2021)


A discussão tecida no encontro e as referências apresentadas pelo professor possibilitaram debater sobre a potencialidade das imagens no reforço às pressões generificantes as quais crianças são continuamente submetidas quando acessam os diferentes aparatos visuais que circundam nossa vida. Como arte/educadores, cabe pensar na ampliação do recorte das imagens, não negligenciando a discussão dessas questões, mas trazendo-as para o centro do debate.


sobre a autora:

Julia Teixeira Andrade é graduada em licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduanda em Educação Especial e Inclusiva pelo Centro de Estudos Avançados em Pós Graduação e Pesquisa (CESAP). Foi bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) atuando nas aulas de Artes do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI). Atualmente participa do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES).


referências:

BALISCEI, João Paulo. “Botando o machão pra fora”: o projeto de masculinização dos meninos e as Pedagogias Culturais na animação Mulan (1998). In: ACCORSI, Fernanda Amorim; BALISCEI, João Paulo; TAKARA, Samilo (orgs.). Como pode uma pedagogia viver fora da escola: Estudos sobre pedagogias culturais. Londrina : Syntagma Editores, 2021.

BALISCEI, João Paulo; STEIN, Vinícius. Mas, por que rosa? Aspectos históricos e artísticos do uso generificado da cor rosa. In: Anais do 8º SBECE Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação - 2019, Canoas, ULBRA 2019.

http://www.jeongmeeyoon.com/aw_pinkblue.htm

https://www.fabiocarvalho.art.br/mtppg-06.htm

https://performatus.com.br/entrevistas/fabiocarvalho/

https://www.instagram.com/johansson.linnea/




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