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Foto do escritorclara pitanga rocha

habitar a cidade, a galeria e a escola

Relato do encontro “Entre o graffiti, a pintura e a educação”, com Daniel Melim, realizado em 31 de agosto de 2020


Conforme Hannah Arendt a esfera pública é “o espaço de aparição”, aparição para o Outro e para ela essa ideia de aparição estabelece relação na qual Arendt moldou a partir das pólis gregas, ou seja, as cidades-estados da Grécia Antiga. Além disso, para a filósofa, a pólis não se fundamentaria e relacionaria apenas com a cidade enquanto espaço físico, mas também nas organizações e relações configuradas pela pólis.


Ao trazer a discussão para o contemporâneo vê-se as cidades como um espaço de aglomeração humana com suas diversas atividades, geografias e espaços destinados a variadas funções como trabalho, alimentação, lazer e cultura. A cidade hodierna também é local explorado por artistas que a enxergam como um espaço de interferência e nesse sentido produzem seus trabalhos para existir/habitar a cidade e dialogar com esse espaço de aparição e dialogar com o Outro.


Mediante a isso, o Grupo Entre - Educação e arte contemporânea teve oportunidade no dia 31 de agosto de 2020 de realizar um encontro virtual com o artista Daniel Melim, que trouxe discussão referente ao seu trabalho artístico, que se constitui principalmente com a linguagem do graffiti e da pintura e tem a espacialidade da cidade como uma forma de interferência e das suas atuações como artista. Para além disso, Daniel relatou experiências no campo da educação, por sua atuação como professor na educação básica e em projetos educativos extra escolares.


Daniel Melim nasceu e mora em São Bernardo, São Paulo, se formou em arte/educação e define seu trabalho como algo que vai de encontro entre o graffiti e a pintura. Sua ligação com o graffiti se deu desde a década de 90, mas somente depois dos anos 2000 que ele começou a entender e a pesquisar mais essa linguagem, e certamente durante o período da sua graduação foi quando conheceu pessoas (o Outro) que trabalhavam com o graffiti e iniciou com eles troca de experiência e conhecimento.


Apesar do espaço urbano ter grande papel no seu trabalho, Daniel também expõe em galerias e sempre tenta construir diálogo entre seu trabalho na rua e na galeria, apesar de serem diferentes. Isso porque quando sua arte está na rua ele nomina “graffiti” e quando essa ocupa a galeria chama de “pintura”. Por conseguinte, o graffiti para Daniel é uma ferramenta para alcançar crianças e adolescentes, principalmente por ser algo que está na rua, local cujo esses indivíduos circulam e passam seu tempo brincando, logo, enxerga essa linguagem como uma habitação do lugar físico, mas que justamente como para Hannah Arendt não se limita a ele, mas explora também as relações configuradas por esse e é a “arte do convívio”, como Daniel mencionou.


Pela característica do espaço urbano contar com ações climáticas e do tempo, ou até mesmo de outras pessoas, o trabalho do Daniel que está nas ruas conta com o desgaste natural, bem como pode sofrer contaminações da vivência cotidiana na cidade ou de outros artistas, o que requer um desapego ao trabalho. Então, no que tange a sua poética, a fotografia é uma aliada, pois é mecanismo encontrado para documentar a produção artística, mas que também é considerada por Daniel como uma outra linguagem artística, ou seja, pode ser compreendida como uma obra.


Outrossim, seus trabalhos não costumam receber assinatura porque o artista já enxerga seu trabalho e linguagem como sua própria assinatura, desvelando a poética pela linguagem e pelas escolhas formais. As influências do seu estilo e do seu processo de criação perpassam por referências de desenhos e imagens dos anos 1950, a pop art, imagens de propagandas e também a apropriação de imagens/trabalhos ou o próprio Daniel cria os desenhos.


Hoje, na relação estabelecida com os transeuntes nas ruas, com os públicos nas instituições culturais ou com os estudantes em práticas educativas, a produção de Daniel Melim reverbera a ideia da aparição, não somente pela contemplação e fruição das imagens, mas pela efetiva experiência de imersão e contato com as obras. A interlocução do espaço entre graffiti, pintura e educação se constrói no processo de produção do artista.



sobre a autora:

Clara Pitanga Rocha é graduanda na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente faz parte do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES), com o objetivo de estudar os caminhos e as relações entre arte contemporânea e educação.



referências:

ARENDT, Hannah. The human condition. Chicago and London: University of Chicago Press, 1958.

DEUTSCHE, Rosalyn. A arte de ser testemunha na esfera pública nos tempos de guerra. Concinnitas, volume 2, número 10, dezembro, 2009.



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