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o jogo é um convite

Relato do encontro “Penso, jogo existo”, com Alberto Duvivier Tembo, realizado em 22 de fevereiro de 2021


Todo mundo tem uma referência e uma vivência que envolve os jogos; seja do período da infância, dos jogos de faz-de-conta, dos jogos de tabuleiro, dos esportes, dos videogames. Essa aproximação foi percebida desde o início da nossa conversa com Alberto Duvivier Tembo, quando na apresentação do encontro Penso, jogo, existo cada participante deveria indicar a tipologia de jogo com que mais se identificava. Nas partilhas foi perceptível que as múltiplas possibilidades do jogo possibilitam que cada um se encontrasse numa tipologia, trabalhando aspectos físicos, cognitivos, relacionais ou lúdicos. Havia os que não jogavam desde a infância, os que mantinham o hábito de jogar cartas durante temporadas de verão ou os que sistematicamente buscavam a prática de jogar como exercício diário, seja pelo celular, pelos jogos de palavras ou pelo convívio com filhos. Mas nesse primeiro momento poucos estabeleceram a relação do jogo com educação, motivo central da vinda do nosso convidado.


Alberto compõe o coletivo Zebra5, que trabalha com práticas de mediação, formação de professores e construção de jogos educativos. Relacionando todos esses tópicos, conversamos sobre a dinâmica da visita-jogo, uma metodologia (que não pretende ser um modelo), um processo de mediação em exposições que não se propõe a utilizar o jogo como começo ou fim da visita com educador, mas efetivamente trabalhar a dinâmica de fruição no espaço expositivo como um jogo. Aqui, como Alberto demarcou, o jogo não busca ser pedagógico, ele é, efetivamente, pedagógico, propondo uma ação do brincar e do se divertir que está impregnada de educação.


Para além das possibilidades de adotar o jogo como metodologia nas proposições com os públicos, o coletivo e Alberto propõem que as formações de mediadores devem trabalhar da temática da mediação também como assunto. Essa proposta, de tratar de educação enquanto também se fala sobre ela, é diferente da prática que inicialmente era adotada nos processos de formação de mediadores ou professores, quando somente os assuntos das exposições eram considerados nos encontros de formação. Com a mediação como centro da discussão, o jogo torna-se também uma possível metodologia de trabalho, como de fato ocorreu em relatos que Alberto fez durante a conversa, por exemplo, citando a exposição Riscos #1, ocorrida no SESC Belenzinho, em 2012.


A dinâmica de incluir o jogo como metodologia pode parecer convidativa desde sua gênese, pela associação direta com o brincar ou com momentos de descanso, mas efetivamente a entrada no jogo tem que partir de um convite. Entrar na brincadeira deve ser um ato intencionado, ainda que provocado pelo outro. Por isso que a dinâmica de uma visita-jogo pode ser desafiadora, porque é preciso haver implicação no processo para que o jogo efetivamente se realize.


Citando exemplos de sua formação desde a infância e relatando práticas desenvolvidas individualmente ou com o coletivo, nosso convidado demarcou a função do jogo como lugar de formação e aprendizado da estética, informando que qualquer mecanismo que se desenvolva para trabalhar o jogo como metodologia deve tomar também em consideração o formato, a linguagem e a composição dos elementos. Os aspectos formais serão também um reforço do convite, visto que os elementos visuais poderão trabalhar a curiosidade e o interesse dos públicos com quem se pretende trocar.


A dinâmica do ato de jogar cria uma relação entre os sujeitos envolvidos, visto que um dos elementos que compõe os jogos são as regras, que mais do que cercear a ação, criam um universo fictício que convida os participantes a entrarem na brincadeira. Nesse sentido foram citados exemplos como os jogos de faz-de-conta, RPG ou plataformas de criação de cenários e vidas secundários, se referindo a imersão que o conjunto de normas de criação desse outro mundo (o mundo do jogo) possibilitam construir. Na elaboração de um contexto com normas próprias o acaso se torna um elemento interessante, que tensiona o conjunto de regras e implica, efetivamente, em processos de aprendizagem.


Pensando especificamente no jogo como elemento de dinâmicas do ensino da arte, seja no contexto escolar ou não formal, quando se trata de arte contemporânea essa dinâmica do universo fictício ganha mais dimensões, uma vez que o próprio campo da arte brinca com as regras estabelecidas por gestores, produtores, fruidores e educadores, reconfigurando-se continuamente. Aqui, a adoção do inesperado como premissa e a associação do acaso se torna ainda mais premente.


Por fim, Alberto sinalizou a importância de não dissociar experiência e diversão quando pensamos em jogos para processos educativos em arte, sugerindo a associação entre o gosto pelo desafio e a alegria da brincadeira, ações que parecem opostas e que são descritas por Caillois (2017) no binarismo ludus x paidia. Pensar o jogo como exercício pressupõe, tal como a mediação nos processos de formação, adotá-lo como metodologia e como tema concomitantemente, incorporando práticas do jogar no exercício, mas mencionando-o também como possibilidade de desenvolvimento; assim o jogo se torna meio e fim ao mesmo tempo.



sobre a autora:

Julia Rocha é professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Artes Visuais e Educação do Espírito Santo - NAVEES e do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES). Doutora em Educação Artística pela Universidade do Porto, Mestre em Artes e Educação pela Universidade Estadual Paulista e Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Realiza pesquisa sobre o ensino da arte na contemporaneidade, mediação cultural, relações entre museus e escolas, avaliação de propostas educativas no campo das artes visuais e formação de professores.



referência:

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2017.





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