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não sair até o rojão estourar

Exposição realizada na Ilha da Pólvora, em Vitória, entre 31 de julho e 8 de agosto de 2021

Hospital de Isolamento Oswaldo Monteiro


Aconteceu, entre 31 de julho e 8 de agosto de 2021, uma experiência de imersão e ocupação da Ilha da Pólvora como espaço de arte, deslocando, pela travessia de barco desde o bairro de Santo Antônio, visitantes que percorriam as ruínas, identificando as intervenções e os trabalhos produzidos em resposta às próprias condições da construção e da natureza local. Situada na baía de Vitória, a Ilha da Pólvora guarda as ruínas de uma construção arquitetônica erigida com fins de confinamento e isolamento sanitário. Nela funcionou, de 1925 até 1990, o Hospital do Isolamento Oswaldo Monteiro, local de tratamento para pacientes com hanseníase e tuberculose, construído à luz da política higienista modernista. Desde a desativação do Hospital, o local abandonado e aparentemente esquecido tem sido pontualmente visitado, mas dessa vez foi utilizado como espaço imersivo/expositivo.

As ruínas do Hospital, os vestígios da arquitetura de isolamento e a invasão da natureza por entre os escombros foram os marcadores que dispararam a produção dos dez artistas participantes da exposição, Bárbara Bragato, Bruno Zorzal, Elisabete Finger, Fredone Fone, Luisa Lemgruber, Marcus Vinícius, Natan Dias, Raquel Garbelotti, Rubiane Maia e Thais Graciotti. Os artistas foram convidados - quase em sua totalidade - por Clara Pignaton, criadora e diretora artística do projeto, contemplado pela Lei Aldir Blanc. Quase em sua totalidade porque além dos trabalhos pensados a partir da proposição de Clara, estava também Território expandido I (2007), de Marcus Vinícius, vídeo-performance produzido no espaço da Ilha, com a exploração do artista capixaba dos escombros à época.

Raquel Garbelotti - Invasoras (2021)


Os demais trabalhos convocavam os visitantes daquela experiência imersiva para percorrerem os espaços das diferentes edificações, encontrando as respostas que os artistas criaram a partir de suas poéticas. Nessa procura, os lambes produzidos por Raquel Garbelotti foram marcadores do caminho percorrido. Uma série de plantas, intituladas Invasoras (2021), foram catalogadas, estudadas em parceria com um botânico e registradas nos locais onde encontrávamos as espécies. Na pesquisa, foram descobertas plantas autóctones que já não se encontram noutros lugares da cidade e plantas não nativas da região. A invasão a que se refere o título registra a potência da natureza, que encontrou brechas e criou caminhos que demarcam a efetiva entrada da vegetação dentro das ruínas. O processo de catalogação foi distribuído em diferentes pontos da ilha e será documentado numa publicação, que registrará a experiência, diferente de outras obras, que aconteceram somente durante o período da exposição, ou que se perderão durante o tempo.

Bruno Zorzal - Sem título (série Retrato em Sedimento) (2021)


Um dos trabalhos que permaneceu no espaço da Ilha foram os desenhos produzidos por Bruno Zorzal, com a extração da matéria orgânica dos musgos que se depositam nos muros, formando rostos de figuras anônimas. Em Sem título (série Retrato em Sedimento) (2021), dialogando com a falta de informações e memória sobre quem foram os pacientes que frequentaram e viveram na Ilha da Pólvora durante existência e funcionamento do Hospital de Isolamento, Zorzal deu vida para figuras, criando uma imagem impermanente, porque assim como documentou Garbelotti, provavelmente os desenhos serão apagados pela reinvasão da vegetação no espaço.


As figuras desenhadas por Zorzal, assim como outros trabalhos da exposição, quase passavam desapercebidas, justamente pela proposição de intervenções que se utilizavam dos próprios elementos da Ilha e do Hospital para se realizarem e pelo diálogo que produziam com o contexto. Era também o caso de Alice (2021), de Fredone Fone, que criou uma escada de acesso à laje do Hospital de Isolamento, acima da ala das enfermarias. A escada possibilitava acessar uma área que durante o funcionamento do Hospital era o telhado e fechada para os pacientes em confinamento, mas que durante a mostra convidava os visitantes para uma vista da parte mais alta da Ilha, dando a ver Vitória - com os bairros de Inhanguetá, Bela Vista, Santo Antônio, Santa Tereza e Caratoíra - e Cariacica - onde estão Porto de Santana, Presidente Médice, Porto Novo e Porto Velho.

Fredone Fone - Alice (2021)


O título do trabalho faz referência à Alice Ball, “que em 1915, no Hawaii, desenvolveu o único método eficaz contra a hanseníase usado até os anos 1940. Alice foi uma mulher preta que faleceu aos 24 anos de idade, antes de publicar a tese sobre seu método. Sua tese foi sequestrada por um homem branco, chefe do departamento em que ela trabalhava. Durante muito tempo ele disse ser quem teria descoberto o tratamento, assim apagando e isolando Alice. Só depois de 90 anos da morte dela, finalmente a história real veio à tona”, conforme o artista em texto devidamente distribuído aos visitantes da exposição.

Rubiane Maia - Sinais (2021)


Em diálogo com o trabalho, também na ala das enfermarias, estava Sinais (2021), de Rubiane Maia, com grandes imagens fotográficas impressas em tecido, que ocupavam os fragmentos dos dormitórios da área. As imagens de mãos se projetavam para fora das molduras dos dormitórios, como espécie de pedidos de socorro de corpos em isolamento. O flamejar dos tecidos diante do vento que entrava pelas abertura das ruínas do edifício dimensionavam mais a sensação de agonia e confinamento. As imagens eram acompanhadas de um áudio com narrativas que remetem aos sujeitos e aos corpos que estiveram no local.

Rubiane Maia - Sinais (2021)


A relação entre os trabalhos e o momento que vivemos não passava desapercebida. Confinados pela propagação de um vírus com altos índices de contaminação e assombrados pelas variantes de mutação que potencializam a força do vírus, nos vimos, enquanto visitantes, criando paralelos da nossa rotina com o papel higienista vivido pela instituição quando em funcionamento. O percorrer pelo espaço, encontrando os trabalhos e vendo-o habitado por outros públicos, reconfigurava nossa rotina e o cotidiano da Ilha da Pólvora. A presença de um grupo restrito de visitantes dava novas dimensões para a paisagem da Ilha, como dizia o texto de apresentação:

“Tua presença aqui redesenha a paisagem da ilha. Uma travessia, um movimento marítimo, uma mudança de posição e agora você também é paisagem. As ruínas do antigo hospital de isolamento coexistem com uma natureza teimosa e para elas não há um caminho de volta, são indissociáveis. Te resta ocupar este espaço junto aos trabalhos dos artistas, eles te convidam a adentrar as ruínas e, uma vez nelas, ser outra vez fora”.

Elisabete Finger - Curiosos Compostos #1 - Escafandro Pra Baixo da Terra (2021)


Distribuído nos flyers que demarcavam a ocupação territorial dos trabalhos, o texto de apresentação convidava os públicos para ocuparem o espaço entre as ruínas e se tornarem paisagem, adentrando nas construções e identificando os vestígios da natureza que invadiam o espaço arquitetônico do Hospital desativado. Foi nesse movimento de tornar-se paisagem que a performance Curiosos Compostos #1 - Escafandro Pra Baixo da Terra (2021), de Elisabete Finger foi ativada por Danielli Mendes e Mariza Virgolino. Mulheres-árvores percorriam o ambiente de entrada na Ilha em movimentos de fusão com a arquitetura, projetando sua potência na reivindicação do espaço natural. A ação, ocorrida em dias pontuais da exposição, dava a tônica do projeto, evidenciando o fazer-se paisagem a que éramos continuamente convocados com a exposição.

Elisabete Finger - Curiosos Compostos #1 - Escafandro Pra Baixo da Terra (2021)


A efemeridade da ação performática, ocorrida em dias pontuais do projeto, dialoga com a temporalidade da exposição como um todo, realizada ao longo de uma semana e movimentando o sistema da arte local, convocando os visitantes na exploração do espaço até então isolado. A memória da exposição fica com os trabalhos em permanência na Ilha, na publicação produzida a partir do trabalho de Garbelotti e na documentação da exposição como um todo que será feita com publicação de um catálogo. Mas a ação do tornar-se paisagem permaneceu circunscrita naquele tempo e naquele espaço.


Artistas participantes: Bárbara Bragato, Bruno Zorzal, Elisabete Finger, Fredone Fone, Luisa Lemgruber, Marcus Vinícius, Natan Dias, Raquel Garbelotti, Rubiane Maia e Thais Graciotti

Concepção e direção artística: Clara Pignaton

Projeto Gráfico: Vitoria Pianca

Desenho de luz: Vitor Lorenção



sobre a autora:

Julia Rocha é professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Artes Visuais e Educação do Espírito Santo - NAVEES e do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES). Doutora em Educação Artística pela Universidade do Porto, Mestre em Artes e Educação pela Universidade Estadual Paulista e Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Realiza pesquisa sobre o ensino da arte na contemporaneidade, mediação cultural, relações entre museus e escolas, avaliação de propostas educativas no campo das artes visuais e formação de professores.



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