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o que fica instagramável na educação?

Quem nunca esteve na praia e para além de desfrutar o sol, a areia e o mar sentiu a necessidade de tirar uma foto e compartilhar em uma rede social demarcando sua presença naquele lugar? Quem nunca adquiriu um objeto de desejo e então compartilhou com conhecidos e desconhecidos nas redes considerando a aprovação dos outros dessa aquisição? Esse efeito se manifesta nas mais variadas vivências, fazendo parecer com que experiências não estejam completas caso não tenhamos a postagem, os compartilhamentos e as curtidas que as múltiplas redes sociais ofertam.


Segundo María Acaso (2009), o hiperdesenvolvimento da linguagem visual, patrocinado pelas novas tecnologias, produz a multiplicação de imagens em todos os aspectos da nossa vida e isso produz um efeito rebote. Efeito esse que se dá a partir da sensação que as experiências não são completas se não forem compartilhadas em rede. É presente a necessidade de mostrar às pessoas que fomos à praia ou adquirimos algum produto, ainda que esse compartilhamento possa nos desconectar do real sentido da imagem.


Nesse tipo de sociedade os indivíduos, deslumbrados com a espetáculo, mergulhamos em uma existência passiva aspirando apenas adquirir a maior quantidade de produtos possível e expor o compre imediatamente. Porque já não sinto prazer em contemplar minhas imagens, sinto prazer quando as compartilho com você. (ACASO, 2009, p. 32)


É por isso que imagens são cada vez mais exploradas pelos campos da publicidade e do marketing. Elas se utilizam de elementos visuais que conseguem formar no espectador desejos de consumo e de determinados estilos de vida. Para que se tornem as pessoas hiperconsumidoras, é preciso hiperestimulá-las visualmente, fazê-las acreditar que há necessidade de comprar diariamente, de querer sempre estar em dia com as novidades. A chave para criar esse impulso irracional, paradoxal e perverso é o uso da linguagem visual (ACASO, 2009, p. 33).


A replicação das vivências em redes sociais responde a um processo de espetacularização da vida cotidiana, onde a realidade se desmaterializa para ser coletivizada e receber aprovação de conhecidos e desconhecidos. Para Guy Debord (1997, p. 15) não é possível fazer uma oposição entre o espetáculo e a atividade social efetiva, “O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto”. A alienação das experiências em prol da partilha digital acarreta num distanciamento da realidade e num processo de capitalização de ações de rotina.


Essa reflexão parte de uma memória que provavelmente pode ser partilhada por outras pessoas. Durante uma viagem de cinco dias a São Paulo no ano de 2019, uma amiga e eu escolhíamos lugares para visitar. A lista de lugares passava por vários pontos turísticos, museus, galerias de arte, marcos históricos e parques, mas também por lugares específicos que nos chamaram a atenção pelas redes sociais. Havia um em específico que entrou na nossa lista de prioridades - ainda mais do que, talvez, os museus e as galerias - assim, fomos visitá-lo antes de qualquer outra coisa. O lugar se chamava Dona Nuvem, uma sorveteria até então pequena que possuía um ambiente em tons pastéis, painéis luminosos e uma estética vintage que estava absolutamente em alta naquele ano. Fomos fisgadas pelas fotos do perfil do instagram que o estabelecimento alimentava, mas não esperávamos que ao chegar a fila estivesse tão grande.


Certo, era de se esperar que um lugar que estava em alta nas redes sociais estivesse lotado, até porque a sorveteria não comportava muita gente no interior, então a fila estava para o lado de fora. Aí começou toda a experiência: o local bonito e agradável das fotos não comportava seu grande público, mas insistimos na fila porque mais do que o sorvete, queríamos a foto com ele. O carro-chefe da marca, um sorvete em formato casquinha com uma camada de algodão-doce em volta e com pedaços de chocolate. A gama de sabores era separada em temas: sereia, safari, flamingos, entre outros e custava quatro vezes mais do que uma casquinha de sorvete comum. Depois de esperar por uma hora e finalmente adquirir o famoso e fotogênico sorvete, constatamos que não havia nada de interessante ou diferente no sabor. Adicionada à decepção pelo gosto, estava a frustração de não aproveitar o sorvete de verdade, uma vez que não conseguimos nos sentar na parte de dentro da sorveteria e comemos do lado de fora.


Esse relato reforça a reflexão sobre o potencial apelativo e persuasivo das imagens, porque mesmo com todos os percalços, não era o sabor que eu ansiava ao adicionar a sorveteria aos locais que desejava visitar em São Paulo. Ao conseguir comprar o almejado sorvete, a primeira coisa que fiz foi, lógico, tirar as fotos em várias poses, para que essa experiência pudesse ser compartilhada pelo instagram. Mais do que desfrutar do sabor do sorvete, a fotografia parecia fazer com que a experiência estava efetivamente completa.




Reafirmo que não importava o sabor do sorvete porque se tratava de algo que chamamos comumente de "instagramável", que se conecta diretamente com a ideia de espetacularização do cotidiano. De acordo com Letícia Porfírio, essa expressão faz referência ao comportamento de fotografar algo (ou se fotografar em algum lugar) que considera esteticamente agradável e sentir desejo de compartilhar via rede social, nesse caso por meio da plataforma Instagram. Esse objeto/local, não precisa necessariamente ser tocado ou possuído, apenas gerar o desejo de ser fotografado e compartilhado na rede social (PORFÍRIO, 2020, p. 4).


A expressão ganhou força e passou a ser utilizada no campo da publicidade; assim, passamos a alugar “apartamentos instagramáveis”, escolher “destinos de viagem instagramáveis” e, como no caso do relato, buscar “refeições instagramáveis”. Esse termo se consolidou na nossa vivência cotidiana e se concretizou como um atributo estético de situações, objetos e lugares, dando sentido de glamourização e encarecimento para uma experiência sensorial onde a imagem atinge uma potência nomeável. O termo, a adoção de uma marca como adjetivação, está sublimado em nossa língua, ao ponto de possuir mais de 68 mil publicações apenas em uma hashtag em português (#instagramavel na própria rede do Instagram).




Evidente que o que é instagramável muda muito rapidamente com relação a formas, cores e estilos, porque o compartilhamento em massa gera uma saturação dessas imagens. Suas tendências surgem a partir das referências visuais existentes e estão no limite entre uma cultura visual e um “estilo de vida” (SALAZAR, 2017, p. 13). As publicações em alta mostram características tão parecidas que poderiam tratar do mesmo estabelecimento, ainda que estejam retratando diferentes locais pelo Brasil. Hoje está cada vez mais comum que os espaços comerciais sejam pensados esteticamente para atrair o público para consumo via redes sociais, às vezes preponderando mais esse sentido do que um bom produto de venda ou um serviço de qualidade. O cliente pode visitar o local, tirar fotos em algum dos espaços e então compartilhar em seu perfil, tornando a experiência coletiva e publicidade para o próprio estabelecimento.


Quando o aplicativo surgiu, em 2010, a instantaneidade era um valor para as fotos compartilhadas. Utilizando a câmera do seu celular, o usuário da rede registrava a fotografia dentro do próprio aplicativo, aplicava um de seus filtros e então postava, tudo no mesmo momento. O instagramável mudou essa relação com a publicação imediata, criando uma camada de representação que mecanizou as experiências. De acordo com Manuela de Mattos Salazar (2017, p. 7):


Hoje, contudo, é comum que nas publicações que vão para o perfil utilizem não somente ela, mas outros aplicativos de câmeras. Parece ser muito mais relevante a relação com uma curadoria dos momentos mais instagramáveis vividos pelos usuários do que a exaltação da instantaneidade e do aqui-e-agora. Isso abre espaço para que haja no Instagram dois tipos de fotografia em relação ao cotidiano: a casual e a calculada.


Isso vem acontecendo porque a capacidade de se valer de diferentes suportes estéticos e de uma ampla gama de informação, conhecimento, prazer e satisfação material imediata em nossas sociedades de massa está mais alta do que nunca (ACASO, 2009, p. 28). O grande compartilhamento e consumo dessas imagens faz com que se crie uma estética visual baseada no que a maioria das pessoas tem feito nas redes sociais. Parece que o espaço físico real começou a não ser mais necessário caso não esteja atrelado a esse propósito do compartilhamento. Fotografias e obras de arte são vistas através das telas do computador, televisão ou do próprio celular e podem ser armazenadas infinitamente.


Segundo Acaso (2009, p. 29), a fronteira entre a hiper-realidade e a realidade nunca foi tão confusa, o que se deve ao fato de que as ferramentas de edição de imagem permitem que se coloque e tire elementos, faça alterações no rosto, se utilize de filtros, insira elementos em cena e modifique essa realidade para que seja praticamente igual a todas as outras. A utilização de aplicativos no próprio celular permite que as pessoas tentem se aproximar de uma estética visual quase viral e torne tudo uniforme. Essa necessidade de se parecer uniforme nas redes acontece porque:


[...] as mídias sociais digitais têm sido um grande meio de interação social. Podemos dizer que os meios de comunicação, principalmente as mídias sociais digitais, contribuem para a criação e interação de comunidades sociais (CAREY, 1989; MORLEY, 2000), algo que era feito por instituições religiosas em uma época pré democratização do uso da tecnologia. (PORFÍRIO, 2020, p. 3)


A sociedade atual transformou as imagens em mercadorias e isso transformou seu valor em exposição, ao ponto de que nada vale uma imagem nessa sociedade se ela não for exposta (BYUNG-CHUL HAN, 2017). Essa perspectiva ecoa no comportamento dos usuários das redes, uma vez que o consumo que o Instagram impulsiona é pautado no “querer ser”, na identificação e associação com outros perfis, empresas e marcas. O efeito se desdobra em cadeia: por existirem pessoas na rede tidas como influenciadoras (que são pessoas com elevado número de seguidores, patrocinadores e curtidas), também existem pessoas que as seguem, observam e consomem. Esses influenciadores apresentam ao público as tendências do momento, sendo agenciados por grandes marcas que estão interessadas em seu alcance de venda e conexão com diferentes usuários da rede.

Dentre os atributos de uma pessoa instagramável, está a preocupação com a arte. Porfírio (2020) realizou um estudo analisando fotografias de pessoas no MON - Museu Oscar Niemeyer, instituição cultural de Curitiba. A análise foi feita a partir das imagens publicadas na hashtag do Instagram. Separando por categorias, o pesquisador concluiu que não é possível dizer que as fotografias feitas dentro do museu capturam a relação das pessoas com as obras artísticas, em seu lugar o museu foi utilizado como o espaço instagramável, um ambiente interessante para tirar fotos que nem sempre protagonizavam as obras de arte. A midiatização nesses casos inviabiliza ou reduz os momentos de fruição artística.


Um exemplo dessa modificação da apreciação pela arte é o aumento cada vez maior das chamadas exposições imersivas, que projetam as obras de determinados artistas em espaços fechados e criam jogos de luz e cores. Pelo grau de compartilhamento e pela sua profusão parece que essas exposições vêm tendo maior adesão do público do que exposições de arte em galerias ou museus convencionais, justamente pelo efeito instagramável que elas produzem. No entanto, no trabalho de determinados artistas os efeitos de textura da pintura entre outras marcas específicas são perdidos nos modelos projetados, o que não parece ser um problema para a maioria das pessoas que visita em busca de cliques com muitas curtidas em retorno.


Em resposta a esse movimento houve o surgimento do aplicativo BeReal em 2020, que vem ganhando espaço entre pessoas que estão se cansando dos padrões do Instagram. Diariamente, em horários aleatórios, os usuários do BeReal recebem uma única notificação em massa, solicitando que tirem duas imagens simultâneas, tiradas pelas lentes frontal e traseira das câmeras de seus celulares. O tempo de tirar as fotos e compartilhá-las com seus seguidores é de dois minutos, para que não possa ser muito produzida. Além do tempo contado, o aplicativo também retirou as funções de filtros e curtidas recorrentes no Instagram. Os utilizadores dessa nova rede acreditam que as selfies não filtradas e as fotos espontâneas de amigos oferecem um retrato mais realista de suas vidas.


E como essas questões que estão, hoje, intimamente ligadas no nosso cotidiano refletem na prática escolar?

A começar pela cobrança sofrida pelo professor de artes em entregar à escola um produto material. No entendimento geral, parece que só existiu prática de ensino e um aprendizado efetivo em artes se existirem cartazes, pinturas e desenhos colados pela escola, se assemelhando à relação de compartilhamento das experiências na rede social. Além disso, ainda se valoriza nesses trabalhos expostos como prova de um ensino da arte bem sucedido o nível de proximidade estética com o que se entende pelo corpo escolar como “bonitos”. Para Clara Pitanga Rocha (2022), “a problemática não está em ocupar as paredes e os murais da escola, o problema é decorar sem um propósito educativo, apontar a demanda da decoração como responsabilidade única e restrita dos professores de arte”.


Isso ocorre porque em todo o processo sofrido pela disciplina de Artes ao longo do seu percurso histórico, mesmo a partir dos anos 70, onde foi incluída no currículo escolar, ainda não era reconhecida como disciplina, mas como atividade educativa e por isso não era entendida como uma matéria fundamental da formação desses alunos (ROCHA, 2022).


Os questionamentos que proponho com esse texto são: será que as pessoas do universo instagramável estão preparadas para as realidades encontradas na maior parte das escolas? Estão preparados para uma escola e um currículo sem filtros? Saberão lidar com a desorganização e precarização das salas de aula? Estão dispostos a olhar para o ensino com o mesmo carinho que olham para suas próprias redes sociais? E o quanto os preocupa?



sobre a autora:

Ana Carolina Ribeiro Pimentel é graduada em fotografia pela Universidade de Vila Velha e atualmente cursando licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Participa do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e Arte Contemporânea (CE/UFES) com foco na linha de processos artísticos e educativos relacionados na contemporaneidade.

referências:

ACASO, María. Pedagogías invisibles: El espacio del aula como discurso. Los Libros de la Catarata. Madrid. 2012.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

HAN, Byung-chul. Sociedade da transparência. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017.

PORFÍRIO, Letícia. A arte instagramável: Midiatização da fruição artística. In: IV Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais, 2020, São Leopoldo. Anais do IV Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais. São Leopoldo, RS: PPGCC-Unisinos, 2020.

ROCHA, Clara Pitanga. “Professor de arte não é decorador!”. Site Entre Pesquisa. 04 Mai. 2022. Disponível em: <https://www.entrepesquisa.com.br/post/professor-de-arte-nao-e-decorador>. Acesso em: 30 Mai. 2022.




1 comentário

1件のコメント


Alonso Marcus de Paula
Alonso Marcus de Paula
2022年6月03日

Muito oportuno este texto.

A minha preocupação de anos, é se tanto a educação, quanto a família estão preparados para os resultados dessa exposição?

Como fica a saúde mental e social, quando afetado negativamente ou até mesmo numa supervalovização do ser?

Como identificar o limite?

Porém, a arte não tem limites, bem sabemos.

Ela transgride, revela e transforma...

Do lixo ao luxo, do obsoleto à modernidade, do oculto á transparência... a arte vai se reinventando e nos conduzindo a caminhos antes imagináveis.

Portanto creio que os pensadores devem preparar os as salas de aula para os instragamaveis, para assim a realidade não os amendrotarem.

Bem vindos ao futuro das selfies e filtros.

O jeito é se adaptar.

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