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playmode

Exposição ocorrida no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte, entre 30 de março e 6 de junho de 2022


Os artistas recorrentemente pensam os jogos como narrativa, metodologia ou temática, por diferentes justificativas: o jogo convoca à participação, promove a fuga da realidade, possibilita construção de modelos sociais, subverte e critica os mecanismos da própria arte. A exposição Playmode, com curadoria de Filipe Pais e Patrícia Gouveia, propôs o jogo como tema central, pensando a ludicidade no trabalho de diferentes artistas, divididos em três módulos percorridos pelo espaço do Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte: “modos de desconstruir, de modificar e de especular”, “modos de participar e de mudar” e “modos de transformar, de sonhar e de trabalhar”.


As obras, muitas delas interativas, reuniam artistas de diferentes países nessa exposição previamente realizada no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia de Lisboa. A ludicidade foi explorada na exposição em linguagens variadas, como apropriações de jogos e elementos preexistentes, vídeos, esculturas, instalações, videogames e fotografias.


A primeira parte da exposição, Modos de desconstruir, de modificar e de especular, propunha a recriação em torno de jogos que conhecemos e temos como referência a partir das brincadeiras infantis. Amarelinha, xadrez, dados e pipas foram ressignificados pelos artistas, agregando discussão sobre política e sociedade, sobre jogabilidade ou impossibilidade de brincar ou sobre a criação de um novo conjunto de regras proposto pelos públicos.


Um exemplo emblemático da citação do jogo dentro da arte está na produção de Nelson Leirner, presente em PlayMode com dois trabalhos. Um deles, Futebol (2000-1) marcou por ser uma das assemblages que o artista produziu reunindo bonecos, personagens e figuras icônicas da cultura visual como elementos do conjunto que compõem a arquibancada de um campo de futebol (neste caso, de futebol de botão). Dentro de campo também estão representações da cultura popular brasileira, contrapondo figuras religiosas e brinquedos infantis na partida prestes a se iniciar. Com a reunião, o artista compõe uma cerimônia sincrética, envolvendo personagens fictícios e figuras emblemáticas da cultura brasileira, possibilitando que o jogo seja “uma comunhão de religiões, culturas e meios sociais”, como indicaram os curadores.

Nelson Leirner - Futebol (2000-1)


Também remetendo ao futebol, ainda nesta primeira seção da exposição, está Morte súbita (2014), de Jaime Lauriano, que remete ao início da cerimônia de transmissão dos jogos na televisão, quando os jogadores são apresentados e cantam o hino nacional. No vídeo, os supostos jogadores da seleção brasileira de futebol aparecem cobrindo o rosto e rendidos com as mãos atrás da cabeça, enquanto ao fundo são recitados nomes de mortos e desaparecidos, vítimas do regime ditatorial brasileiro da década de 1970. Os nomes são proferidos enquanto ao fundo se mesclam sons de uma torcida vibrante em uma arquibancada com barulhos de tiros e disparos. O trabalho explora a relação entre poder e futebol, assumindo como o esporte foi tomado como propaganda política durante a ditadura que circundou a copa de 1970.


Jaime Lauriano - Morte súbita (2014)


Pensando também em um jogo preexistente, mas dessa vez em formato digital, Joseph Delappe criou Elegy: GTA USA gun homicides (2018-9), vídeo onde reúne trechos do jogo de videogame Grand Theft Auto V onde pessoas são assassinadas. O trabalho remete aos crimes violentos envolvendo armas que ocorrem amplamente nos Estados Unidos, convidando os públicos para uma contemplação de recortes do jogo onde continuamente pessoas são alvejadas. O vídeo registra o número de mortos no país no decorrer de um dia, sendo zerado e reiniciado diariamente, acompanhando os dados em tempo real a partir dos registros disponíveis no site Gun Violence Archive.

Joseph Delappe - Elegy: GTA USA gun homicides (2018-9)


A segunda parte da exposição, Modos de participar e de mudar, abordou a interação como elemento constituinte dos jogos. A participação foi lida de formas plurais, pensando não somente na efetiva entrada física no jogo, mas também na possibilidade de mudança que as respostas dos jogadores provocam durante a jogabilidade. O modo como interagimos com os jogos dispara reações no mundo, na ação e no destino da partida, como indicaram os curadores: “Colocando-nos na pele de outrem, os jogos digitais presentes nessa área propõem-nos diferentes modos de mudar de perspectiva, de percepção e de consciência sobre certas condições sociais, culturais e existenciais”.


Nesse bloco estavam trabalhos em vídeo que remetiam fortemente aos jogos digitais e de videogame, pensando na participação dos jogadores como elemento componente do trabalho. Assim, Pippin Barr desenvolveu um jogo virtual The artist is presente (2011), remetendo ao trabalho homônimo de Marina Abramovic onde a artista permanecia durante oito horas por dia no espaço expositivo do MoMA, em Nova York, encontrando-se com espectadores que se sentavam à sua frente, num ato de espera e contemplação. O trabalho aqui é recriado em formato de videogame, provocando o espectador/jogador a percorrer o espaço do museu à espera de um encontro com a artista.

Pippin Barr - The artist is presente (2011)


Outro videogame criado como obra de arte foi produzido por Guilherme Meneses, Bobware e Beya Xinã Bena. O jogo Huni Kuin: Yue Baitana (Os caminhos da jiboia) (2016) é resultado da colaboração entre antropólogos, programadores e artistas de São Paulo e indígenas do povo Huni Kui (Kaxinawá) do Rio Jordão, no Acre. O jogo reúne grafismos, histórias, mitos e lendas indígenas, com dois personagens, um caçador e uma artesã, que percorrem desafios para se tornarem, respectivamente, um curandeiro e uma mestra dos desenhos. A jornada do jogo os faz adquirirem conhecimentos e habilidades relacionados aos saberes ancestrais.


Guilherme Meneses, Bobware e Beya Xinã Bena - Huni Kuin: Yue Baitana (Os caminhos da jiboia) (2016)


A terceira seção da exposição, Modos de transformar, de sonhar e de trabalhar, pensava como a brincadeira e o jogo são conceitos paradoxais, que dão a possibilidade de se alienar dos problemas cotidianos, possibilitando chegar a lugares imaginados e ficções narrativas, ao mesmo tempo em que operam na lógica da eficiência e da lucratividade. “Entre sonho e trabalho, a brincadeira e o jogo têm também um importante poder de transformação das estruturas cognitivas, físicas e sociais”, afirmaram os curadores.


Nessa parte, uma série de trabalhos remetiam ao jogo como ação, como ato de brincar. Brad Downey propôs fotografias e vídeos, registros de ações performativas desenvolvidas em espaços urbanos. Promovendo reconfigurações e transformações, o artista pensa relações políticas e da vida cotidiana, com ações lúdicas que provocam um outro olhar nos passantes dos contextos que transforma. “Com um minimalismo subversivo, as suas obras funcionam como esculturas sociais que transportam a audiência, com nostalgia, para um mundo de objetos e processos de trabalho artesanais em extinção numa época em que os viajantes se transformaram também em turistas”, conforme Filipe Pais e Patrícia Gouveia.

Brad Downey - Broken Bike Lane (2009)


Outros dois trabalhos presentes na seção eram vídeos de Priscila Fernandes, contrapondo a experiência de adultos brincando de crianças e crianças brincando de adultos. No primeiro, For a Better World (2012), a artista documenta a experiência de crianças na KidZania, parque infantil de Lisboa que emula espaços de convivência cotidiana e trabalho na vida adulta, como hospitais e supermercado, tornando essa experiência um momento de recreação. As crianças operam, assim, imitações das mecânicas e dos comportamentos do mundo adulto. Em contraposição, disposto logo ao lado, estava Naar de Speeltuin! (To the Playground!) (2012), onde a artista registra um grupo de adultos que brincam num parque infantil. Nessa vivência vemos os desencaixes dos corpos que ocupam esse espaço lúdico voltado para as crianças.


Priscila Fernandes - For a Better World (2012)


Priscila Fernandes - Naar de Speeltuin! (To the Playground!) (2012)


A exposição reuniu variadas perspectivas sobre os conceitos de jogos e brincadeiras, pensando a nostalgia, as dinâmicas de poder e as articulações de participação que envolveram os públicos visitantes na interação e na leitura das obras. O conjunto dos trabalhos permitiu identificar como essas questões são mobilizadas nas práticas e poéticas dos artistas, retratando um exercício da vivência cotidiana em contato estreito com o campo da arte. A educação, por sua vez, perpassou toda a experiência de visitação, primeiro pelas possibilidades interativas estabelecidas durante a visita. Pudemos vivenciar parte dos trabalhos pela forma como os artistas convocavam-nos para transformar as realidades ali vividas. Outra dimensão da educação estava na dimensão memorial que as obras provocavam, retomando práticas experienciadas durante nossa formação escolar.



Exposição Playmode

Centro Cultural Banco do Brasil - Belo Horizonte/MG - 30 de março a 6 de junho de 2022

Aram Bartholl, Bill Viola + Game Innovation Lab, Bobware, Brad Downey, Brent Watanabe, Coletivo Beya Xinã Bena + Guilherme Meneses, David OReilly, Filipe Vilas- Boas, Harum Farocki, Isamu Noguchi, Jaime Lauriano, Joseph DeLappe, Laura Lima + Marcius Galan, Lucas Pope, Mary Flanagan, Mediengruppe Bitnik, Milton Manetas, Molleindustria, Nelson Leirner, Pippin Barr, Priscila Fernandes, Raquel Fukuda + Ricardo Barreto, Samuel Bianchini, Shimabuku, Tale of Tales (Auriea Harvey e Michaël Samyn) e The Pixel Hunt.

Curadoria: Filipe Pais e Patrícia Gouveia



sobre a autora:

Julia Rocha é professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Artes Visuais e Educação do Espírito Santo - NAVEES e do Grupo de Pesquisa Entre - Educação e arte contemporânea (CE/UFES). Doutora em Educação Artística pela Universidade do Porto, Mestre em Artes e Educação pela Universidade Estadual Paulista e Licenciada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Realiza pesquisa sobre o ensino da arte na contemporaneidade, mediação cultural, relações entre museus e escolas, avaliação de propostas educativas no campo das artes visuais e formação de professores.



referência:

https://playmode.nmais1.com.br/


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