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reverberações de pesquisas

Relato do 2° encontro Chão da escola, com Any Wutke e Julliana Amorim, realizado em 20 de março de 2022, por Julia Rocha



Aprendemos continuamente com nossos alunos. Vivencio isso semestralmente, como professora de Estágio e observando inúmeras práticas desenvolvidas em turmas de Ensino Fundamental. Nesse processo, identifico respostas diferentes que meus estudantes desenvolvem para perguntas e problemas encontrados nos campos de atuação, conheço novos artistas e aprendo metodologias e práticas junto com as crianças e adolescentes das escolas.


Mas esse aprendizado não se finaliza com o encerramento das disciplinas. Ainda bem. Como coordenadora do Entre sigo continuamente aprendendo com meus estudantes e egressos. Esses últimos já em atuação na educação básica, desenvolvendo seus processos formativos contínuos e ressignificando as questões que discutimos, pensamos e colocamos em prática no decorrer das pesquisas.


Só que como orientadora, são pouco comuns os momentos em que consigo visualizar efetivamente as reflexões das pesquisas engendradas na academia sendo desenvolvidas no contexto escolar. Essa perspectiva até aparece nos relatos de nossos ex-alunos, que compartilham suas experiências nas conversas informais ou nas partilhas em contextos de pesquisa, mas não são concretamente demonstradas corriqueiramente. Foi a materialidade desse processo que pude vivenciar durante a segunda edição do encontro Chão da escola, realizado em junho de 2022, com Any Wutke e Julliana Amorim, que foram minhas orientandas e se tornaram colegas de profissão.


Esse Chão da escola teve um primeiro tom afetivo por ter marcado a retomada dos nossos encontros físicos, depois de mais de dois anos de reuniões semanais ocorrendo de forma remota, por plataformas de videochamada. Mas a afetividade esteve presente também no olhar para as pesquisas e orientações concretizadas em sala de aula, nas experiências com estudantes de Ensino Fundamental das duas professoras convidadas.


As perspectivas das partilhas foram distintas não somente pelos espaços de atuação, demarcados por uma distância geográfica - uma delas atua na Serra, outra em Vitória e Vila Velha -, mas sobretudo porque cada uma das professoras apresentou relatos de seu exercício docente como reflexo de um amadurecimento teórico e acadêmico que reverbera em suas práticas pedagógicas.


Any Wutke começou refletindo sobre seu processo de criação no planejamento, destacando perspectivas temporais, laborais e contextuais que demarcam essa prática. Na partilha, evidenciou como o planejamento dos projetos que desenvolve perpassa uma pesquisa poética, de conexão de referências que possam ampliar os repertórios já apresentados pelos estudantes e que possibilitem um mergulho em torno de temáticas potentes, por vezes propostas pela equipe pedagógica da escola, por vezes pensadas a partir das turmas.



Na sua fala foi perceptível como a professora carrega perspectivas de pesquisa que refletem seu trabalho desenvolvido no decorrer do curso, pensando aspectos relacionados à tecnologia dentro do seu planejamento, envolvendo o cruzamento de referências contemporâneas e da história da arte. Any desenvolveu a pesquisa “Potencialidades do uso do celular no ensino da arte: Uma reflexão a respeito da juventude, da escola e do ensino da arte contemporânea” e hoje ressignifica as plataformas pensadas na investigação como parte de sua prática docente. Seu trabalho intercala o diálogo com produções de diferentes artistas com exercícios de leitura de imagem e propostas de exploração material.


Como parte dessa perspectiva, a professora nos apresentou um projeto que teve temática sugerida pela escola, “tempo e memória”, onde dialogou com artistas contemporâneos como Christian Marclay, Verena Smith, Luca Benites, Cildo Meireles, Yoko Ono, entre outros, evidenciando como o tempo é pensado de diferentes formas em suas produções. Por ter desenvolvido o projeto com o Ensino Fundamental I existia uma preocupação em pensar em perspectivas concretas do tempo, relacionando com as vivências e os repertórios das crianças. Assim, os exercícios práticos privilegiaram diferentes linguagens, para que os estudantes pudessem se conectar com a produção dos artistas ou repensá-las em desdobramentos de outras formas.


Um segundo projeto foi partilhado, desta vez criando uma relação com a moda e os elementos da linguagem visual, pensando a produção da artista Yayoi Kusama como local de partida. Diferentes configurações para o ponto foram exploradas na relação com as vestimentas, possibilitando às turmas a criação de uma coleção envolvendo elementos visuais do trabalho da artista. Tal como no outro projeto, Any partia dos sentidos já trazidos pelos estudantes para o desenvolvimento das aulas.


Seu relato possibilitou vislumbrar como a prática de planejamento dos professores envolve escolhas e procedimentos que se assemelham ao processo de criação em arte, relacionando fundamentação, experimentação, tentativa e erro, reflexão e plasticidade. Any ainda nos mostrou como conecta parte de sua pesquisa, ao interseccionar a tecnologia no percurso de desenvolvimento e criação dos projetos.


Julliana Amorim veio na sequência, apresentando um percurso de formação mais longo, desenvolvido em campo, no contexto das escolas e outros projetos educativos onde já atuou. Nesse caminho, relata como encontrou na mediação uma perspectiva metodológica que se aproximava da sua prática e das suas intencionalidades como professora. Parte desse encontro se deu num momento de deslocamento geográfico, ao vivenciar como docente uma formação para atuação na rede de educação básica paulista, onde se instituía um currículo desenvolvido por Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque.


Na identificação de uma proposta metodológica que dialogava com sua perspectiva para a educação, amadureceu, no decorrer de seus mais de quinze anos atuando na educação básica, o projeto de propiciar aos seus estudantes encontros com a arte. Assim, passou a pensar a mediação como base de suas práticas, não se restringindo aos espaços institucionalizados da arte, mas estendendo o campo também no sentido da cultura e do patrimônio.


Nesse desenvolvimento, Julliana se configura como “a professora que não para em sala”, sempre pensando em encontros e saídas de campo que possam exercitar a mediação na perspectiva da docente da escola, não - como comumente associado nas pesquisas - do ponto de vista do educador museal ou mediador de um equipamento cultural. Assim, o chão da escola de Julliana “é o mundo”, como disse a professora Mariana Bertoche em nossa primeira edição desse formato de encontro, e seu trabalho se baseia em constantemente estar inquieta na procura por novas explorações dentro e fora do espaço escolar.



Com a busca por novas perspectivas de ver a arte fora do muro da escola, a professora identifica desde o entorno da instituição possibilidades de experimentações em mediação, conectando outros modos de pensar a arte, a cultura e o patrimônio dos estudantes. Nesse processo, se consolidou como uma professora/pesquisadora que além de integrar nosso grupo também atua no Laboratório de Educação Museal - LEM e reverbera com suas turmas perspectivas teóricas experienciadas na pesquisa “A mediação cultural como prática pedagógica: O ensino de arte na EEEFM Judith da Silva Góes Coutinho”.


Ao final, apresentou brevemente um projeto que ainda se encontrava em período de finalização, demarcando ainda mais seu papel como pesquisadora no contexto da escola, atuando junto com a estudante Stéfany Pereira da Silva no projeto "Experienciando espaços expositivos”, que transformou a escola num local de exposição, ao abrigar a mostra “A cor importa?”, desenvolvida pelos estudantes do 9º ano da EMEF Experimental de Vitória - UFES, onde hoje atua como docente. Mas isso será questão para futuras partilhas e olhares para a prática docente de egressas e parceiras de investigação.


Os encontros do Chão da escola foram pensados para dar visibilidade para as práticas que professores componentes do grupo desenvolvem em suas unidades de ensino, pensando na arte contemporânea como perspectiva conceitual e metodológica e trazendo, sobretudo para os arte/educadores em formação, uma perspectiva da realidade escolar. Nesse dia, contudo, talvez faltasse algum espectador mais entusiasmado que eu na conversa, vendo as reverberações das pesquisas em concretude nas salas de aula e fora delas, tal como elas me ensinaram.

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